ITAPECURU MIRIM – Seguindo parecer do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou que o Instituto Nacional de Colonização Agrária (Incra) conclua a delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro dos territórios ocupados pela comunidade do quilombo Bem Fica, localizada no município de Itapecuru Mirim (MA), em 6 meses. A instauração do processo de demarcação das terras da comunidade ocorreu em 2007 e encontra-se em fase inicial, isto é, sequer foi concluído o primeiro passo para efetiva titulação e entrega dos lotes aos membros da comunidade.
A autora do parecer, procuradora regional da República Eliana Péres Torelly de Carvalho, afirma que a omissão administrativa afronta direito constitucionalmente garantido. Segundo ela, a proteção diferenciada destes territórios tem previsão constitucional e a posse, quando exercida por estes grupos, é elevada à condição de direito fundamental constitucional e internacional, eis que tem base em tratados internacionais de defesa e garantia dos territórios das comunidades remanescentes de quilombos, bem como na Constituição Federal.
De acordo com o relator do processo, desembargador federal Souza Prudente, a orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito dos tribunais é no sentido de que a atuação do Poder Judiciário é legítima, visando suprir eventual omissão do poder público, na implementação de políticas públicas, mormente em se tratando do exercício de garantia constitucional, como no caso, em que se busca dar eficácia ao direito de propriedade das terras ocupadas por comunidades quilombolas, afastando a tese de violação ao princípio da separação dos poderes alegado pelo Incra.
Entenda o caso – Na primeira instância, o MPF ajuizou ação civil pública contra o Incra com o objetivo de obter provimento jurisdicional para compelir o instituto a elaborar o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação referente à comunidade, publicar as conclusões no Diário Oficial da União, bem como concluir o processo administrativo em curso, procedendo as medidas necessárias para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro dos territórios ocupados pela comunidade.
O juízo em primeira instância julgou procedente o pedido, para condenar o Incra na obrigação de fazer consistente em concluir, no prazo de 180 dias, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) e o procedimento administrativo. A autarquia interpôs apelação alegando inexistência de omissão administrativa, afirmando que a não conclusão do relatório se deu por fatores como instabilidade financeira, política e burocracia interna e sustentando a impossibilidade jurídica de interferência do poder judiciário nas políticas públicas.
Segundo o MPF, a alegação do Incra não pode servir de argumento para eternizar uma omissão estatal por tão longo período, sob pena de transformar todos os direitos e garantias constitucionais e convencionais em meras promessas inexequíveis. “A cláusula da reserva do possível, assim, não pode ser invocada pela Administração Pública para se exonerar do cumprimento de suas obrigações constitucionais e convencionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa possa resultar – como de fato vem resultando, no presente caso – na aniquilação do direito fundamental das comunidades remanescentes de quilombo”, diz o parecer.
BNC Geral