MPF alerta para a necessidade de estrutura permanente de acolhimento humanitário no Brasil

BRASÍLIA – “A crise vigente na Venezuela deveria servir de catalisador para que possamos ter uma estrutura permanente de coordenação e atendimento às pessoas de máxima vulnerabilidade”. A afirmação do secretário de Direitos Humanos e Defesa Coletiva da Procuradoria-Geral da República (PGR), André de Carvalho Ramos, resume a preocupação do Ministério Público Federal (MPF) em relação ao processo migratório do país vizinho para o Brasil.

Ele participou, nesta quinta-feira (19), da audiência da Comissão Mista do Congresso Nacional para discutir alterações e adaptações da Medida Provisória 820, que dará base legal para o atendimento emergencial a imigrantes que se mudaram para o Brasil a fim de escapar de crises humanitárias.

Ramos questionou a norma, editada em fevereiro. Segundo ele, focar na migração forçada, provocada pela crise na Venezuela, como algo passageiro, dificulta a criação de alternativas para enfrentar o problema de forma permanente. “Devemos naturalizar o dever de atendimento contínuo àqueles que buscam acolhida e isso leva à coordenação de esforços, e não só àquilo que chamo de política do bandaid [medidas paliativas].É preciso atuação contínua, permanente”, avaliou.

De acordo com Ramos, mais de 22 mil solicitações de refúgio de venezuelanos ainda não foram analisadas. “O julgamento dos pedidos depende de um órgão colegiado e deve estar atrelado ao Conselho Nacional de Refugiados (Conare), que não tem estrutura suficiente para processar todos os pedidos de registros”.

Além do procurador, participaram da audiência representantes da sociedade civil que atuam na temática migratória e de refugiados, que apontaram necessidades de mudanças técnicas na redação da norma. Para Márcia Anita Sprandel, membro do Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia, o conceito de situação de vulnerabilidade que está na MP não deve falar em estrangeiro, mas sim em migrante. “A referência ao estrangeiro deixou de ser operacional com a extinção da lei do estrangeiro. Tanto a nova lei [de migração, de 2017] quanto o decreto consagraram o migrante, pois inclui o imigrante, o emigrante e o apátrida”, disse.

Para o representante da Defensoria Pública da União (DPU), Leonardo Cardoso de Magalhães, a criação do comitê emergencial por meio da edição da MP 820 permitiu melhor gestão dessa crise. Segundo as demandas recebidas pelo órgão na região, questões como revalidação de diplomas, tradução de documentos e suspensão de taxas e exigências burocráticas também devem estar na nova lei.

Leonardo fez coro a um dos pontos levantados pela antropóloga Márcia, ao pedir mais atenção à questão da moradia humanitária, que não foi contemplada na Lei de Migração. Ele lembrou dos índios Warao, considerados por todos como um dos grupos mais vulneráveis desse fluxo migratório.

Aprendizados – A religiosa irmã Rosita Milesi, do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH), trouxe relatos que mostram o lado esperançoso que a migração atual tem trazido. “Nos últimos 15 dias que estive em Roraima ouvi pessoas que disseram algo positivo sobre as migrações”. Uma dessas narrativas foi de uma superintendente da Polícia Federal da região. Ela afirmou que a migração venezuelana permitiu à Polícia Federal avaliar a maturidade institucional, afirmando-se definitivamente no papel de polícia cidadã e garantidora dos direitos humanos.

Ainda segundo Rosita, um líder religioso que vive em Roraima apontou que, além das mudanças na cidade, a migração também alterou a maneira da congregação rezar e atuar. “Hoje somos uma igreja mais solidária com os imigrantes e mais sensíveis ao sofrimento das pessoas”, relatou à religiosa.

Ainda esta semana, a PGR se posicionou contrária a um pedido do governo de Roraima ao Supremo Tribunal Federal para que fechasse as fronteiras por conta de um suposto descontrole do fluxo migratório pelas fronteiras daquele estado. “O fechamento da fronteira ofende frontalmente tanto a proteção aos refugiados quanto a política brasileira de migração, resultando no aumento do ingresso irregular e na permanência clandestina desses indivíduos, o que agravaria a situação social na região”, pontuou o vice-procurador-geral da República no parecer.

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