SÃO PAULO – Imaginar uma multidão quase interminável de 2,5 bilhões de Tyrannosaurus rex, os mais temidos predadores da Era dos Dinossauros, é coisa capaz de deixar bambas as pernas do sujeito mais corajoso. O número não é mero fruto de uma imaginação hiperativa, porém: segundo um novo cálculo, trata-se da quantidade total de tiranossauros que existiram durante a história evolutiva da espécie, entre 68 milhões e 66 milhões de anos atrás.
É claro que o número dos T. rex que existiram ao mesmo tempo, correspondendo a uma única geração desses animais, era bem mais modesto: cerca de 20 mil bichos, espalhados por uma área da América do Norte que teria 2,3 milhões de quilômetros quadrados (mais ou menos um quarto do território brasileiro, portanto).
As estimativas, que estão na edição mais recente da revista especializada americana Science, foram feitas por uma equipe da Universidade da Califórnia em Berkeley. Liderado por Charles Marshall, o trabalho é assinado também pelo biólogo brasileiro Daniel Varajão Latorre, que atualmente faz seu doutorado em Berkeley.
Estimativas como essas já tinham sido tentadas no passado, mas uma das vantagens trazidas pelo carisma dos tiranossauros (caçadores de 12,5 m de comprimento cujo nome meninos e meninas do mundo inteiro decoram logo cedo) e pela presença de fósseis espalhados por diversas regiões do território americano é a grande quantidade de dados disponíveis sobre a espécie, estudada desde o começo do século 20.
Graças a isso, os paleontólogos de hoje possuem boas indicações sobre a movimentação, o desenvolvimento dos ossos, o ciclo de vida e até o metabolismo do T. rex, o que facilita bastante as contas -até certo ponto, pelo menos.
“Essencialmente, sentimos que seria possível quantificar todas as incertezas e, assim, chegar a uma resposta robusta, ainda que dentro de uma margem de erro grande”, resume Marshall.
“A pergunta a princípio poderia parecer coisa de criança, essa indagação de ‘quantos dinossauros já existiram no mundo?’. Mas, além da curiosidade, há uma justificativa acadêmica, pois entender o registro fóssil é algo essencial para a paleontologia”, explica Latorre.
Os pesquisadores levaram em conta os principais acervos de fósseis da espécie (como “nota de corte”, escolheram apenas os que abrigavam três ou mais ossos de T. rex) e, como princípio geral, seguiram a chamada lei de Damuth. Trata-se de uma relação bem conhecida entre o tamanho de um animal e a densidade populacional -no caso, uma relação inversa: quanto maior o bicho, menor tende a ser a quantidade de bichos numa determinada área.
Parece simples, mas o problema é que diversas variáveis fazem com que a relação exata mude bastante de acordo com o animal, explica Marshall. Diferenças ecológicas, por exemplo, têm certo peso -a conta muda se o ambiente é mais ou menos rico em alimento ou se tem clima severo ou ameno. Os números também são diferentes se o bicho tem sangue frio ou quente (o primeiro tipo exige mais energia e, portanto, tende a ser mais raro), ou dependendo de como ele se alimenta.
Os fósseis dão uma boa ideia a respeito de alguns desses fatores, como o ritmo de crescimento (há boas razões para acreditar que os T. rex alcançassem a maturidade sexual entre os 12 anos e os 15 anos de idade, por exemplo) e o metabolismo -o grupo considera mais provável que os bichos tivessem um organismo de sangue “quase quente”, no meio do caminho entre o dos mamíferos atuais e o de certos répteis de grande porte de hoje, como o dragão-de-komodo.
Com base nisso tudo, eles concluem que a densidade demográfica do animal ficava em torno de 0,0091 dinossauro por quilômetro quadrado -o que daria apenas dois T. rex para toda a área de Washington, quatro em Curitiba ou 13 bichos espalhados pela cidade de São Paulo.
A espécie parece ter sobrevivido até o momento em que um objeto celeste atingiu a Terra há 66 milhões de anos, extinguindo tanto os T. rex quanto os demais dinossauros não avianos (já que as aves também pertencem ao grupo, descendendo de pequenos dinos carnívoros). Segundo os cálculos da pesquisa, apenas 1 em cada 80 milhões de indivíduos da espécie teve seus ossos encontrados pelos paleontólogos até hoje.
“O que mais me marcou no trabalho foi como a maior parte da nossa incerteza está atrelada ao que sabemos sobre as espécies viventes, e não sobre o que sabemos das espécies extintas”, conta Latorre.
“Poderíamos, com isso, aprender mais sobre a densidade e tamanho populacional das espécies atuais, o que traria, inclusive, evidências importantes para a conservação delas. Estar de olho na densidade populacional ajuda a perceber os pontos em que esse número se torna irrecuperável [para a continuidade da reprodução de uma espécie], e assim, portanto, perto da extinção.”
BNC Geral