Um levantamento do Jornal Nacional, feito com base nas prestações de contas registradas nos tribunais regionais eleitorais, aponta que ao menos 51 candidatos a deputado federal e estadual podem ter servido na última eleição como laranjas para que partidos desviassem recursos do fundo eleitoral.
A crise política que envolve o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria Geral), sob ameaça de demissão, teve origem na denúncia de que, durante a campanha eleitoral do ano passado, quando era presidente do PSL, uma candidata do partido em Pernambuco recebeu R$ 400 milem recursos públicos do fundo e obteve somente 274 votos.
O Jornal Nacional analisou dados de 24.765 candidatos a deputado estadual e federal. Foi feito um cruzamento de informações de quanto os candidatos receberam dos fundos e o número de votos que obtiveram.
O cruzamento foi feito criando um indicador de custo por voto – quanto mais dinheiro público os partidos tiverem repassado ao candidato e menos votos ele tiver recebido, maior esse custo.
Para um comparativo, nenhum candidato eleito em todo o país teve um custo por voto maior do que R$ 190.
O Jornal Nacional analisou as contas de candidatos que tiveram um custo por voto pelo menos dez vezes maior do que isso, recebeu recursos públicos e não foi eleito. São 51 candidatos, que juntos receberam mais R$ 8 milhões.
Esses 51 candidatos estão espalhados por 18 estados e 18 partidos.
Desses, 45 são mulheres. Isso é relevante porque o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral devem ser destinados a candidaturas femininas.
Financiamento de campanhas
O dinheiro público que financia as campanhas políticas vem de dois fundos:
- o partidário banca a estrutura dos partidos e também candidaturas e distribuiu R$ 888 milhões reais aos partidos em 2018.
- o fundo eleitoral, criado após a proibição das doações por empresas, deu mais de R$ 1,7 bilhão
No total, são mais de R$ 2,6 bilhões, dinheiro do contribuinte que vai para as mãos de milhares de candidatos.
Casos
- Maranhão
No Maranhão, uma candidata usou dinheiro público para confeccionar mais “santinhos” de campanha do que a população do estado inteiro. O estado tem 7 milhões de habitantes.
Em São José de Ribamar, na região metropolitana de São Luis, a candidata a deputada estadual Marisa Rosas, do PRB, mandou fazer 9 milhões de “santinhos”. De acordo com a prestação de contas à Justiça Eleitoral, ela gastou quase R$ 600 mil com campanha. Obteve somente 161 votos.
Além dos milhões de “santinhos”, ela confirmou que mandou fazer 1,25 mil bottons.
Indagada se é muito material para pouca gente, ela respondeu: “Pode se dizer que sim, se você está mensurando a quantidade do Maranhão, pode até se dizer. Mas, na hora, a gente não trabalha somando bottons, a mesma coisa do ‘santinho'”, disse.
Marisa Rosas disse que confiou nos colegas de partido para contratar as três gráficas que receberam, só dela, R$ 540 mil.
Ela disse que confiou na gráfica e no partido. “Não só na gráfica, porque a gráfica mandava entregar no diretório, na central do partido”, afirmou.
Uma das gráficas fica em Tuntum, a 450 km de São Luís. Só nessa gráfica, segundo a prestação de contas, ela gastou R$ 460 mil.
A gráfica pertence a um filiado ao partido. Recebeu outros R$ 580 mil reais para confeccionar material de campanha para o deputado federal Cleber Verde, presidente do diretório estadual do PRB.
Cabe ao presidente do diretório participar da decisão sobre onde são aplicados os recursos eleitorais.
O PRB declarou que, no ano passado, determinou que os candidatos deviam assinar um termo assumindo a responsabilidade pela correta aplicação dos recursos do fundo de financiamento, prestar contas e devolver o que não usaram na eleição. E isentando o diretório nacional de responsabilidades por má gestão.
O PRB afirmou que acredita na participação feminina na política, mas que a obrigatoriedade de um percentual de vagas para mulheres precisa ser rediscutida.-
O deputado federal Cléber Verde (PRB-MA) declarou que os recursos da cota de mulheres foram usados única e exclusivamente nas campanhas delas. Segundo ele, a gráfica foi escolhida pela qualidade e pelo preço acessível.
Verde também disse que Marisa das Rosas é militante do partido e que o resultado de uma eleição é imprevisível para qualquer candidato.
O TRE do Maranhão declarou que a prestação de contas de Marisa das Rosas está sendo analisada.
- Bahia
Em Madre de Deus, perto de Salvador, Maria do Socorro de Cristo, candidata a deputada estadual pelo partido Democracia Cristã, recebeu R$ 100 mil do fundo eleitoral e teve 42 votos.
Ela contou que foi convocada a se candidatar porque o partido precisava atingir o número mínimo de candidatas mulheres na Bahia e disse que não sabia como foram os gastos da campanha. “Tudo era providenciado pelo presidente do partido”, disse.
O presidente do Democracia Cristã na Bahia, Antonio Albino, declarou que fez a distribuição de recursos de forma lícita e que não houve candidatura de “laranjas”. Segundo ele, as contas de Maria do Socorro Cristo foram aprovadas sem ressalvas.
O Tribunal Regional Eleitoral da Bahia declarou que não houve nenhum pedido de impugnação relacionado a prestação de contas e que não há qualquer denúncia do Ministério Público ou investigação sobre as contas da candidata Maria do Socorro de Cristo.
- Amapá
Em Macapá, Helen Machado Araújo, do PTC, recebeu R$ 20 mil reais do fundo eleitoral e teve um único voto para deputada estadual. No endereço que ela forneceu à Justiça Eleitoral, a casa está abandonada.
Na mesma região, Alba Cilene Souza, também candidata a deputada estadual pelo PTC, declarou um gasto de quase R$ 15 mil em uma gráfica com adesivos e 300 mil santinhos, a quatro dias da eleição. Mesmo assim, recebeu dois votos – o dela e o do noivo. Na época, Alba Cilene fez campanha para um candidato ao mesmo cargo de outro partido.
“É meu amigo. Sabia que não tinha chance de ganhar, fiz campanha para mim e para ele”, declarou.
Daniel Tourinho, presidente do PTC, declarou que o diretório nacional transfere os recursos, a pedido dos presidentes regionais, para os diretórios ou diretamente aos candidatos.
Segundo Tourinho, não há justificativa razoável para uma candidata ter um ou dois votos tendo recebido tanto dinheiro de fundo público. Para ele, isso claramente precisa ser apurado. O Jornal Nacional não conseguiu contato com o PTC regional.
O TRE do Amapá declarou que há dezenas de pessoas sendo investigadas, mas que não não teve contato com a relatora do tema.
Promotora defende punição
A promotora eleitoral Vera Lúcia Taberti, de São Paulo, que acompanha há anos candidaturas femininas com indícios de irregularidades, defende punições mais rígidas para inibir possíveis irregularidades em contas de campanhas.
“E uma punição maior para os partidos políticos que adotarem esse tipo de lançamento de candidatura fraudulenta, de corte de verba mesmo, um corte sensível de repasse de fundo”, afirmou.
“Quando ela [uma candidata] recebe uma quantidade significativa de verba e teve pouquíssimos votos, também aconteceu alguma coisa errada porque o emprego de verba naturalmente traria uma votação mais estruturada, mais organizada, com veículos, e se ela não obtém nada, um número insuficiente de votos, é fortíssimo que ela seja uma candidata laranja”, afirmou a promotora.
Fonte: G1
BNC Política