BRASÍLIA – O ex-deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ) perdeu a liberdade, mas não o poder. Pelo menos em seu partido. Preso desde outubro de 2016 em Curitiba, o ex-presidente da Câmara prepara da cadeia a sua sucessora em Brasília, a publicitária Danielle Dytz Cunha, sua filha mais velha. Estreante nas urnas, Danielle lidera a disputa pelos recursos públicos do fundo eleitoral entre os 19 candidatos a deputado federal pelo partido no Rio de Janeiro (veja lista de repasses ao final da reportagem).
A filha de Cunha já recebeu R$ 2 milhões do diretório estadual do MDB, conforme registros parciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O valor é próximo do teto de R$ 2,5 milhões que um candidato à Câmara pode gastar neste ano. Além disso, ela ganhou R$ 7 mil de uma doadora identificada como Ângela Célia Souza Vilhena, que fez o repasse na condição de pessoa física – a legislação atual proíbe o financiamento empresarial de campanhas.
Até a noite desta segunda-feira (10), a candidata havia declarado gastos de campanha que totalizaram R$ 58.154,00. Desse valor, R$ 35.450,00 foram destinados à produção ou aquisição de adesivos e outros 15.885,00 para material impresso.
Os repasses a Danielle superam as doações feitas aos quatro emedebistas que concorrem à reeleição pelo estado. Três deles receberam, cada, R$ 1,5 milhão do partido até o momento. Celso Jacob, nenhum centavo. Procurado pelo Congresso em Foco para explicar os critérios da distribuição do dinheiro, o MDB fluminense diz que “se reserva ao direito de não comentar sua estratégia eleitoral” (leia nota mais abaixo).
O presidente do MDB fluminense, deputado Leonardo Picciani, não atendeu às ligações telefônicas da reportagem. Ele herdou o posto de seu pai, o cacique emedebista Jorge Picciani, que recentemente deixou a presidência da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) direto para uma cadeia pública do estado, envolvido em diversos escândalos de corrupção. Hoje, enquanto se vale de recursos judiciais, Jorge cumpre prisão domiciliar no Rio.
Tal pai, tal filha
Com o mesmo número utilizado por Eduardo Cunha nas eleições anteriores, Danielle confia no espólio eleitoral do pai para ser a nova voz da família na Câmara. Seu principal alvo é o eleitorado evangélico, que o ajudou a se eleger quatro vezes deputado federal. Em um estado com 17,1 milhões de habitantes, população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para 2018, a quantidade de evangélicos é calculada entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas.
Em carta divulgada da prisão há quase um mês, Cunha pediu votos para a herdeira. “Apoio com veemência a candidatura da minha filha mais velha, Danielle Cunha, com o número 1530, para deputada federal. Sua desenvoltura política é notória: jovem, mulher, evangélica, empreendedora, capacitada, com um currículo que fala por si só; ela é muito mais preparada do que eu”, escreveu.
Um dos principais articuladores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o ex-deputado cassado já profetiza como será a atuação da filha na Câmara. “Os meus adversários podem aguardar que ela dará mais trabalho do que eu dei e defenderá tudo o que eu defendi, do interesse da nação e do povo evangélico, como o combate ao aborto, além das suas próprias propostas que debaterá na campanha”, reforçou.
A pupila de Cunha já iniciou a atuação contra adversários mesmo antes de entrar para a política. Como este site mostrou em 20 de agosto, ela pediu ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Minas Gerais, ainda sem obter sucesso, que barrasse a candidatura ao Senado da ex-presidente Dilma Rousseff. Danielle alegou que o impeachment da petista tinha como consequência “natural e indissociável” a inelegibilidade. Segundo pesquisas de intenção de voto, a petista lidera a corrida eleitoral.
Lava Jato
Mas, se Cunha prevê tempos difíceis para seus adversários, que também serão os da filha, o contrário também deve ser mencionado. Não bastasse a situação criminal e as demais investigações pendentes contra o ex-deputado, que tem sua imagem associada à corrupção na política, Danielle deve enfrentar ela mesma acusações de que, em alguma medida, beneficiou-se do dinheiro desviado por Cunha para o exterior.
Ela também chegou a ser investigada na Operação Lava Jato, suspeita de acobertar crimes do pai, e foi apontada como uma das beneficiárias das contas mantidas pelo casal Eduardo Cunha e Claudia Cruz na Suíça. Mas a parte do processo referente a Danielle não prosperou.
Ela chegou a ser investigada e respondeu a inquérito junto com o pai em 2016, quando a Câmara cassou Cunha por 450 votos a 10 em plenário. Após tentativa frustrada de manter seu caso no Supremo Tribunal Federal (STF), Danielle ficou sob o martelo do juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em Curitiba (PR), mas não chegou a ser denunciada.
Com o argumento de que não tinha virado ré, Danielle pediu e conseguiu a liberação de seu passaporte em julho do ano passado. Na ocasião, ela também tinha alegado necessitar do documento, que havia sido retido pela Justiça em março de 2016, para viajar ao exterior com “fins profissionais”.
O Congresso em Foco conseguiu falar com a candidata na tarde desta segunda-feira (10), mas ela alegou que estava participando de uma reunião e que não poderia falar naquele instante. No entanto, interessou-se em saber o assunto da entrevista, mas desistiu de dar continuar a conversa ao ser informada sobre o teor da reportagem. Segundo um interlocutor de sua campanha, ela tem evitado falar com a imprensa.
Malvado favorito
Em vídeo de campanha, Danielle não faz menção à prisão de Cunha ou às diversas acusações contra ele. Mas, dos 23 segundos de material, Cunha ocupa os primeiros dez com uma fala em ocasião histórica – ao anunciar a abertura de processo de impeachment, na fatídica sessão plenária da Câmara de 17 de abril de 2016, contra a então presidente Dilma Rousseff (PT).
“Se não fosse a atuação do meu pai, Eduardo Cunha, você estaria sendo governado pela Dilma e pelo PT até hoje”, diz a candidata, pedindo o voto dos cidadãos fluminenses “para continuar esse trabalho”.
Veja o vídeo:
Leia a nota do MDB fluminense:
Os critérios para distribuição dos recursos do fundo foram estabelecidos em resolução da Comissão Executiva Nacional encaminhada ao TSE, como prevê a legislação eleitoral. Sobre o valor e a forma de distribuição para candidatos específicos, o partido reserva-se o direito de não comentar sua estratégia eleitoral.
Leia abaixo a lista de repasses do MDB para os candidatos à Câmara:
Danielle Dytz Cunha
Publicitária, filha do ex-deputado cassado Eduardo Cunha
Doação do partido: R$ 2 milhões
Átila A. Nunes
Suplente de deputado federal e vereador no Rio
Doação do partido: R$ 1,5 milhão
Leonardo Picciani
Candidato à reeleição
Doação do partido: R$ 1,5 milhão
Marco Antônio Cabral
Candidato à reeleição
Doação do partido: R$ 1,5 milhão
Wilson Beserra
Candidato à reeleição
Doação do partido: R$ 1,5 milhão
André Lazaroni
Deputado estadual
Doação do partido: R$ 700 mil
Daniela do Waguinho
Primeira-dama de Belford Roxo
Doação do partido: R$ 500 mil
Gutemberg Reis
Empresário, é irmão do deputado estadual Rosenverg Reis e do prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis, e do vereador do mesmo município Junior Reis
Doação do partido: R$ 500 mil
América Tereza
Ex-vereadora de Volta Redonda
Doação do partido: R$ 300 mil
Geraldo Pudim
Deputado estadual
Doação do partido: R$ 200 mil
Vinicius Farah
Ex-prefeito de Três Rios
Doação do partido: R$ 200 mil
Laydson
Vereador em Volta Redonda
Doação do partido: R$ 100 mil
Lecinho
Vereador em São Gonçalo
Doação do partido: R$ 100 mil
Neymar Pesadão
Empresário
Doação do partido: R$ 50 mil
Penha Bernardes
Vereadora de Araruama
Doação do partido: R$ 50 mil
Wilson Perna Torta
Militar reformado
Doação do partido: R$ 30 mil
Sou Gaby
Empresária
Doação do partido: R$ 20 mil
Jô Benedito
Professora
Doação do partido: R$ 5 mil
Celso Jacob
Candidato à reeleição
Nenhum repasse do partido registrado até o momento
Fonte: TSE (dados extraídos em 10 de setembro de 2018)
*Colaborou Isabella Macedo.
Fonte: Congresso em Foco
BNC Política