Decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro enfraquece o combate à tortura no país e vai de encontro a uma convenção da Organização das Nações Unidas. O texto, publicado na edição desta terça-feira (10) do Diário Oficial da União, esvazia a composição do chamado Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, hoje sob guarda-chuva do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.
Bolsonaro extinguiu os 11 cargos de peritos do programa, que faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT). Em atividade desde 2013, o Mecanismo é o braço operativo do Sistema e atua na preparação das vistorias e intervenções onde há denúncias de tortura, tratamento cruel e degradante, como penitenciárias, hospitais psiquiátricos e casas de recuperação de menores infratores. O órgão foi responsável, por exemplo, pela elaboração de relatórios sobre a situação de presídios como o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde rebeliões resultaram na morte de 111 presos.
Com o decreto, a participação dos peritos passa a ser considerada prestação de serviço público sem remuneração e terá de ser chancelada pelo presidente da República. Os atuais peritos têm dedicação exclusiva, recebem em torno de R$ 10 mil e foram aprovados por seleção pública que levou em conta também critérios de pluralidade, como representação regional, raça e gênero.
Coordenador substituto do Mecanismo, Daniel Melo vê na nova norma uma retaliação ao trabalho dos peritos. “O decreto mata o Mecanismo. O Estado brasileiro é o grande agente torturador. Temos cutucado questões cruciais, como as violações nas unidades prisionais”, disse ele ao Congresso em Foco. “Precisamos de pessoal com estrutura de trabalho e dedicação exclusiva. Se não há autonomia para o cargo, não há independência para apontar as violações do Estado”, acrescentou.
Ainda de acordo com o texto, os novos peritos não poderão ter qualquer vinculação com redes e entidades da sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa.
O presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Leonardo Pinho, informou que vai recorrer à Justiça contra a medida. “Consideramos o decreto ilegal, porque ele não pode mudar a lei federal que criou o Mecanismo. É uma estratégia de aniquilar o órgão. Vamos acionar também o Ministério Público e o Congresso”, afirmou o coordenador substituto do Mecanismo.
O decreto também retira uma cadeira da sociedade civil na composição do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT). Pelo texto, o governo terá 11 representantes e a sociedade civil, 12. Outro braço do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), o comitê é um órgão deliberativo temático voltado para a definição de políticas públicas.
O Sistema foi criado como desdobramento da adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (OPCAT), da ONU. “Vamos acionar a ONU, porque o decreto representa a ruptura desse acordo”, ressaltou Daniel Melo.
No fim do mês passado, também por decreto, Bolsonaro alterou a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), principal órgão consultivo do Ministério do Meio Ambiente e responsável por estabelecer critérios para licenciamento ambiental.
O colegiado, que contava com 96 conselheiros, entre membros de entidades públicas e de ONGs. A partir de agora terá 22 membros titulares, além do ministro Ricardo Salles na presidência, totalizando 23. A medida gerou reações de entidades e lideranças ambientalistas.
Veja a íntegra do decreto que esvazia mecanismo de combate à tortura:
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º Ficam remanejados, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para a Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, na forma do Anexo I, onze cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores – DAS 102.4.
Art. 2º O Anexo II ao Decreto nº 9.673, de 2 de janeiro de 2019, passa a vigorar com as alterações constantes do Anexo II a este Decreto.
Art. 3º Os ocupantes dos cargos em comissão que deixam de existir na Estrutura Regimental do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por força deste Decreto ficam automaticamente exonerados.
Art. 4º O Decreto nº 8.154, de 16 de dezembro de 2013, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 2º ……………………………………………………………………………………………
Parágrafo único. A coordenação do SNPCT será exercida pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.” (NR)
“Art. 4º …………………………………………………………………………………………….
……………………………………………………………………………………………………….
§ 1º Os Comitês e Mecanismos Estaduais e Distrital de Prevenção e Combate à Tortura poderão integrar o SNPCT por meio de termo de adesão específico firmado nos termos deste Decreto e de normas complementares do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
………………………………………………………………………………………………..” (NR)
“Art. 5º …………………………………………………………………………………………….
………………………………………………………………………………………………………..
Parágrafo único. Ato do Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disporá sobre os critérios e o procedimento de ingresso no SNPCT dos órgãos e das entidades de que trata o caput.” (NR)
“Art. 8º O CNPCT, órgão integrante da estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, será composto:
I – pelo Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que o presidirá;
II – por dois representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos;
III – por um representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública;
IV – por um representante do Ministério da Defesa;
V – por um representante do Ministério das Relações Exteriores;
VI – por um representante do Ministério da Educação;
VII – por um representante do Ministério da Cidadania;
VIII – por um representante do Ministério da Saúde;
IX – por um representante da Secretaria-Geral da Presidência da República;
X – por um representante da Secretaria de Governo da Presidência da República;
XI – por dois representantes de conselhos de classes profissionais;
XII – por oito representantes titulares de movimentos sociais, fóruns, redes, entidades da sociedade civil com atuação relacionada à prevenção e ao combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; e
XIII – por dois representantes de entidades representativas de trabalhadores, estudantes, empresários e instituições de ensino e pesquisa, cuja atuação esteja relacionada à prevenção e ao combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.
§ 1º Os representantes referidos nos incisos II a X do caput e respectivos suplentes serão indicados pelos titulares dos órgãos que representam e designados por ato do Presidente da República.
§ 2º Os representantes referidos nos incisos XI a XIII do caput e respectivos suplentes serão escolhidos e designados por ato do Presidente da República após o chamamento público.
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§ 4º Os representantes referidos nos incisos XI a XIII do caput e respectivos suplentes serão da mesma instituição.
§ 5º O mandato dos representantes, titulares e suplentes, do CNPCT referidos nos incisos XI a XIII do caput será de dois anos, admitida uma recondução por igual período.
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§ 8º O vice-presidente do CNPCT será eleito pelos demais membros e exercerá mandato de um ano, assegurada a alternância entre os representantes dos incisos II a X do caput e os representantes dos incisos XI a XIII do caput.” (NR)
“Art. 10. O MNPCT, órgão integrante da estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, será composto por onze peritos, escolhidos pelo CNPCT e designados por ato do Presidente da República, com mandato de três anos, admitida uma recondução por igual período.
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§ 3º É vedado o exercício de peritos vinculados a redes e a entidades da sociedade civil e a instituições de ensino e pesquisa, a entidades representativas de trabalhadores, a estudantes e a empresários integrantes do CNPCT.
…………………………………………………………………………………………………….
§ 5º A participação no MNPCT será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.” (NR)
“Art. 14. Caberá à Polícia Federal e à Policia Rodoviária Federal assegurar o apoio necessário à atuação do MNPCT, por meio de acordo a ser firmado com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.” (NR)
“Art. 18. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos prestará o apoio técnico, financeiro e administrativo necessários ao funcionamento do SNPCT, do CNPCT e do MNPCT.” (NR)
“Art. 19. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos fomentará a criação de Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura no âmbito dos Estados e do Distrito Federal.” (NR)
“Art. 20. A transferência voluntária de recursos realizada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para os entes federativos destinados à prevenção e ao combate à tortura será precedida do termo de adesão referido no § 1º do art. 4º.” (NR)
“Art. 21. As despesas decorrentes deste Decreto serão custeadas por dotações orçamentárias da União consignadas anualmente no orçamento do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento fixados anualmente.” (NR)
“Art. 23. O chamamento público referido no § 2º do art. 8º será convocado por meio de edital elaborado e publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.” (NR)
Art. 5º Ficam revogados os seguintes dispositivos do Decreto nº 8.154, de 2013:
I – os § 3º e § 7º do art. 8º;
II – o § 2º do art. 10; e
III – o art. 26.
Art. 6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 10 de junho de 2019; 198º da Independência e 131º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Paulo Guedes
Sérgio Luiz Cury Carazza”
Com Informações do Congresso em Foco
BNC Política