Segundo a agência, entre as notícias que mais circularam no Facebook nessa primeira fase das eleições, constam coisas como “Haddad diz que Estado decide se crianças serão meninos ou meninas” e “TSE deu códigos das urnas eletrônicas para os venezuelanos”. Das dez notícias mais compartilhadas e consideradas falsas pela Lupa, oito eram contrárias a Fernando Haddad (PT) ou favoráveis à campanha de Jair Bolsonaro (PSL), uma era contrária a Bolsonaro e outra atacava Ciro Gomes (PDT).
Na avaliação do site Boatos.org, que também realiza checagens, entre as notícias falsas de maior relevância no primeiro turno estão a “mamadeira erótica” que teria sido distribuída pelo PT em creches de São Paulo; o áudio do Padre Marcelo Rossi defendendo Bolsonaro; uma montagem da camiseta de Manuela D’Ávila com os dizeres “Jesus é Travesti”; o livro exibido por Bolsonaro no Jornal Nacional que teria sido comprado pelo MEC para o kit gay, além de outras sobre o ataque ao candidato do PSL — que teria entrado andando no hospital após ser atacado, que seu agressor seria filiado ao PT e que teria foto com Lula.
A desqualificação do debate público e a presença excessiva de ruídos e de desinformação no processo eleitoral deste ano são notáveis. Se o acompanhamento dos gastos de campanha pelo TSE ajudou a controlar o impulsionamento financeiro da desinformação no Facebook, no Whatsapp o desafio se mostrou muto maior. Em todos os cenários, o TSE foi ineficaz em conseguir barrar ou reduzir o grande volume de desinformação em circulação.
Levantamento do Datafolha mostrou que grande parte dos eleitores tem se informado sobre política por meio de grupos de Whatsapp. Mas ali as táticas de apoio aos candidatos são as mais variáveis, de montagens grotescas a áudios supostamente voltados a amigos. O papel da desinformação que circula no aplicativo foi tamanho que, na última semana da eleição, a candidatura Fernando Haddad criou uma central de denúncias de informações falsas publicadas e compartilhadas e as encaminhou para a Justiça.
Omissão da Justiça
O TSE, entretanto, demorou a intervir na desinformação: apenas no dia 6 de outubro, véspera do primeiro turno das eleições, determinou a retirada de 35 informações falsas de sites e do Facebook que atacavam o candidato e sua vice, Manuela D’Ávila. O número de denúncias encaminhado à Justiça eleitoral, entretanto, era maior de 100. Na data da votação, em 7 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral também foi pouco incisivo diante das candidaturas que divulgaram, durante o dia, notícias falsas sobre supostas “fraudes” na eleição, como a de Flavio Bolsonaro (PSL). O TSE apenas desmentiu as notícias.
A verdade é que o Tribunal parece não compreender muito bem os desafios colocados nem dispor de táticas efetivas para atuar no combate à desinformação. Declarações da presidenta do TSE, Rosa Weber, de que “toda colaboração que vier, inclusive da imprensa, no sentido de nos auxiliar nesse combate será extremamente bem-vinda”, indicam que o órgão máximo da Justiça eleitoral não conseguiu formular estratégias de combate às chamadas notícias falsas.
É um novo capítulo de uma série de equívocos de ministros da Justiça eleitoral — desde a defesa de que as eleições poderiam ser anuladas se ficasse comprovado que notícias falsas beneficiaram um candidato até a articulação de setores militares e da inteligência e espionagem para atuar no tema.
Parte do problema se deu por omissão. O Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, instalado no âmbito do TSE para discutir o tema, não se reuniu durante todo o primeiro turno — vindo a se encontrar apenas nessa quarta-feira (10/10). Depois da reunião, o secretário-geral da presidência do TSE e coordenador do Conselho, Estêvão Waterloo, declarou que o impacto das chamadas fake news foi menor do que o esperado no primeiro turno, e que agora as preocupações do TSE se voltam contra falsas acusações de fraudes nas urnas.
Ou seja, o TSE seguirá omisso, apesar do conselheiro Thiago Tavares, da organização SaferNet Brasil, ter afirmado que vê “com muita preocupação a ação deliberada e provavelmente coordenada de algumas campanhas em produzir conteúdos deliberadamente falsos com o objetivo de desestabilizar o processo eleitoral e de desacreditar a Justiça Eleitoral”.
Novos e velhos obstáculos no combate à desinformação
Enfrentar o fenômeno da desinformação em período eleitoral não é tarefa simples, sabemos. Além de produzir conteúdo falso sobre seus adversários, alguns candidatos também enquadram toda e qualquer crítica que recebem na categoria “fake news”. A prática contribui para um estado de confusão ligado à desinformação, com uma oscilação constante entre a crença passiva nas informações recebidas e a descrença em toda a mídia, presente em discursos que circulam nas redes.
O desafio de enfrentamento desse cenário, como já foi tratado nesta coluna, abrange a promoção de políticas de comunicação que garantam a pluralidade e diversidade de vozes e uma educação para a mídia efetivamente crítica, além do emprego de instrumentos legais já existentes no país relacionados a limites à liberdade de expressão, calúnia, discurso de ódio e remoção de conteúdos sob demanda judicial.
Também vale lembrar que a desinformação gerada no imaginário da população, e que se expressa na campanha eleitoral, não se dá apenas no período das eleições. Boa parte dos desafios que vivenciamos na miséria do atual debate político brasileiro está relacionada aos discursos de ódio e promoção do punitivismo que ganham espaço crescente na Internet e nos grandes meios de comunicação, associados inclusive a sistemáticas violações de direitos. O cenário midiático brasileiro, marcado por altos riscos à pluralidade e diversidade de ideias em circulação, necessárias em qualquer democracia, reforçam este problema.
Mas, se o desafio de enfrentar a desinformação é antigo, no curto período eleitoral é fundamental que se garanta o equilíbrio na circulação de discursos e ideias, e que as estratégias de desinformação sejam combatidas. Nesse sentido, as ações da Justiça eleitoral foram tardias e insuficientes diante do volume da desinformação em circulação durante o primeiro turno das eleições.
Para que, no segundo turno, o debate público seja de melhor qualidade e para que os eleitores estejam bem informados para a escolha de seus representantes, é necessário avançar no tratamento da desinformação por parte do TSE. As fábricas de desinformação devem ser combatidas com agilidade e quem usa dessa estratégia como principal forma de fazer campanha seja responsabilizado. Do contrário, nossa democracia poderá sair ainda mais combalida deste processo.
Fonte: Congresso em foco
BNC Política