BRASÍLIA – Apesar de o Brasil já estar atrasado na implantação de tecnologias de redução de emissão de poluentes por carros, as empresas automotivas pedem ampliação do prazo para adequação a novas regras. Em ofício enviado ao ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), o MPF (Ministério Público Federal) pede que o ministro garanta que as novas normas não sejam adiadas.
No documento ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, enviado a Salles e a Luís Gustavo Biagioni, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, o MPF demonstra preocupação com o futuro do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) e afirma que cada ano de atraso de implementação de novos padrões de controle de emissões pode resultar em 2.500 mortes anuais prematuras.
Considerando os danos à saúde da população, ao sistema público de saúde e até mesmo à evolução tecnológica da indústria automotiva, “qualquer proposta dessa natureza [de adiamento] não merece prosperar e nem sequer ter sua discussão admitida, no Conselho Nacional do Meio Ambiente”.
O Proconve foi criado em 1986, a partir de resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e com o objetivo de controlar as emissões de poluentes por veículos.
Em 2018, foi definido pelo Conama que a próxima fase do programa para redução de poluentes começaria a ser aplicada a partir de 1º de janeiro de 2022, e que as mudanças em diferentes tipos de veículos, como comerciais leves, se estenderia para os anos seguintes.
Em nota, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) afirma julgar necessário o adiamento em dois ou três anos da próxima fase do Proconve para veículos leves e pesados por causa da pandemia.
Segundo a associação, não se trata apenas de uma questão econômica. A indústria afirma que os cinco meses de pandemia no país prejudicaram testes de desenvolvimento, que, segundo a Anfavea, “continuam em ritmo mais lento para proteção dos profissionais de laboratório e de campo que trabalham nesses projetos”.
Segundo o MPF, a “inércia e insuficiência na regulamentação e implementação do Proconve, ao menos nos últimos 12 anos, não dá margem para pleitos revisionais que, ao invés de recuperar o tempo perdido, apenas aprofundarão o atraso da legislação brasileira em relação às tendências mundiais”.
Sem o adiamento, o Brasil já estará com uma defasagem de nove anos em relação à União Europeia e de 13 anos em relação aos EUA, considerando o ano de 2023, quando as regras para o setor deveriam sendo aplicadas para todos os veículos novos produzidos, segundo a procuradoria.
O MPF, citando o International Council on Clean Transportation, afirma que o Brasil também já está atrasado em relação a países como Índia, México e Chile, considerando veículos pesados movidos a diesel.
A Procuradoria cita também um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade segundo o qual a definição de implementação das regras em veículos pesados apenas em 2023 (no Conama, a sociedade civil defendia que o prazo fosse 2020) pode levar à morte total de mais de 9.000 pessoas e mais 9.000 internações, além de perdas relacionadas a saúde superiores a R$ 4,6 bilhões.
Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea e diretor de comunicação corporativa e relações institucionais da Mercedes-Benz, disse à Folha que o setor não quer nenhuma mudança mais profunda nas regras, mas apenas mudar a data de implementação.
Segundo ele, entre a adequação às novas regras de segurança e de emissões há um investimento em desenvolvimento de R$ 12 bilhões. “Não estamos pedindo prorrogação de cinco a dez anos. São só dois anos”, diz Moraes.
Sobre a defasagem em relação a outros países, a indústria afirma que especificidades brasileiras, como o tipo de combustível usado, não permitem uma importação direta da tecnologia. Também diz que, dependendo da fase de desenvolvimento que foi interrompida pela pandemia, o processo tem que completamente reiniciado.
O possível adiamento da implementação das regras depende, contudo, de uma aprovação do Conama, que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente.
Salles, que sempre declara apreço pela questão ambiental urbana, já deixou claro que não é favorável ao adiamento do prazo para as novas regras. Em uma publicação recente em suas redes sociais, o ministro afirmou que não faz sentido adiar a implementação de padrões ambientais modernos. “É nessa linha que temos que ir: modernizar a frota, tirar carros, ônibus e caminhões velhos e poluentes. Ninguém aguenta mais”, escreveu.
Questionado sobre a posição de Salles, o presidente da Anfavea diz que respeita a posição do ministro e que os pontos da indústria já foram apresentados. “O ministro é presidente do Conama. Quem decide é o Conama, que é um comitê que tem representantes do governo, de outros ministérios, representantes da iniciativa privada e representates da sociedade civil. A decisão final é do Conama”, afirma. “Não é uma decisão isolada do ministro, a decisão é de um comitê.”
Mudanças feitas no Conama por Salles ainda em 2019, porém, aumentaram o poder decisório do governo federal dentro do comitê, que de 96 membros passou a ter 23 integrantes.
Com informações da Folhaexpress
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