Oparcelamento das dívidas da União reconhecidas pela Justiça nos chamados precatórios será o mesmo que um “calote” nos credores e pode ameaçar a confiança dos investidores nos títulos da dívida pública, afirma ao Estadão/Broadcast o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda durante o governo José Sarney. Para ele, propor uma emenda constitucional para esse fim “não é típico de um ministro responsável” e ainda pode abrir brechas para que o Congresso Nacional flexibilize os limites de gastos às vésperas de eleição. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Os precatórios já tinham sido um problema em 2020 e agora voltam na discussão do Orçamento de 2022. Como o sr. vê o problema e a solução de parcelar essa dívida?
Em primeiro lugar, o governo não deveria se surpreender com essa informação do Judiciário, os R$ 89 bilhões (de dívidas em precatórios). O ministro se mostrou surpreso e lançou mão mais uma vez de metáforas tétricas: meteoro, míssil… Por que isso? Todos os processos nos tribunais superiores são acompanhados por advogados da União. Tudo indica que não tem comunicação entre a AGU (Advocacia-Geral da União) e o Ministério da Economia. Ao que parece, o Ministério da Economia só toma conhecimento quando recebe a informação do Judiciário. Se ele recebesse antes da AGU, podia se preparar melhor para programar o Orçamento.
E a solução proposta de parcelar os precatórios pode ser entendida como um calote?
O que o governo está propondo é um calote, porque os precatórios resultam de ações judiciais de longa duração, às vezes 10, 20, 30 anos. Depois que o autor da ação ganha a sua causa, vem o governo dizer ‘só te pago daqui 10 anos’? Você tem casos de pessoas que morrem sem receber. Esse tipo de reação do governo busca transformar os precatórios em dívidas de segunda categoria. É uma dívida líquida e certa, determinada por sentença judicial, e que tem o mesmo valor da dívida pública. O governo paga os investidores de sua dívida pública e não paga os que ela tem que indenizar por reconhecimento judicial? É inacreditável que esse tipo de tratamento venha do próprio Ministério da Economia.
Isso pode contaminar a confiança no País?
Exatamente. Se ele faz com os precatórios, por que ele não vai fazer conosco (investidores da dívida pública)? Por que não reprogramar o pagamento de uma NTN (tipo de título do Tesouro Nacional) de 30 anos?
Ao fazer essa proposta, o ministro Paulo Guedes negligencia esse risco?
Sem dúvida alguma. Porque o ministro está convencido de que precatório é uma dívida à qual não se deve respeito. Se ele propõe, repetindo experiências anteriores, uma emenda constitucional para consagrar o calote, é porque ele não faz nenhuma relação entre esse ato, que não é típico de um ministro responsável, e a reação que pode eventualmente acontecer com os credores internos e externos da dívida pública.
Os Estados têm ao menos R$ 16 bilhões a receber em precatórios em 2022. O sr. vê alguma relação política nessa tentativa de parcelar os precatórios?
Não tenho como confirmar isso. Agora, não há dúvida que o calote que o Guedes programa contra os Estados tem o objetivo de manter a possibilidade de praticamente dobrar o Bolsa Família. Portanto é um objetivo nitidamente eleitoral. Eu acho que, por toda essa circunstância, ou essa PEC não passa no Congresso, embora tudo indique que vá ter apoio do Lira (presidente da Câmara) e do Pacheco (presidente do Senado), ou morre no Judiciário.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
BNC Brasil