CINGAPURA – Cingapura é considerado o sétimo país menos corrupto do mundo pela ONG Transparência Internacional, mas essa reputação está sendo abalada pelo envolvimento de uma empresa ligada ao governo do país em denúncias de pagamento de propinas a executivos da Petrobras.
Esse é o maior escândalo do tipo já ocorrido nesta cidade-Estado e tem gerado repercussões políticas. Na última segunda-feira, a ministra da Fazenda e Justiça admitiu o golpe à imagem da nação asiática e declarou estar “extremamente desapontada com o que ocorreu”.
“A incorruptibilidade é um valor fundamental em Cingapura. As empresas de Cingapura precisam operar em diferentes contextos, mas esperamos que cumpram as leis dos países onde atuam”, disse a ministra Indranee Rajah, que foi ao Parlamento na última segunda-feira para dar explicações sobre o caso.
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No centro do escândalo está a construtora de plataformas de petróleo Keppel Offshore and Marine, uma unidade do conglomerado Keppel Corporation, do qual o governo é dono de 20%.
O Departamento de Justiça americano acusou executivos da companhia de terem pago US$ 55 milhões (R$ 179 milhões) a funcionários da Petrobras entre 2001 e 2004, período que compreende o fim do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o início do primeiro mandato de Lula (PT).
O esquema envolveu a obtenção de 13 contratos de construção de plataformas para a estatal e para a Sete Brasil, empresa de sondas criada para construir e alugar equipamentos de exploração no pré-sal. O esquema teria rendido US$ 351,8 milhões à Keppel Offshore and Marine, de acordo com o jornal The Business Times, de Cingapura.
Em uma das primeiras declarações de um líder do governo sobre o assunto, a ministra negou que autoridades estejam sendo lenientes com a companhia ao fechar com ela acordos no Brasil, em Cingapura e nos Estados Unidos que preveem o pagamento de uma multa bilionária, além de outros termos de ajuste de conduta, para evitar um processo.
“No que diz respeito à companhia, não se enganem, ela tem pago um preço alto, e merecidamente”, afirmou Rajah.
Em um comunicado, a Keppel reconheceu que pagamentos ilegais foram feitos “com o conhecimento de ex-executivos” da companhia e disse ter realizado uma “ampla investigação para identificar as transações suspeitas e cooperado com autoridades”.
“Práticas passadas não refletem como o grupo Keppel conduz seus negócios hoje. Temos zero tolerância para corrupção”, disse o presidente da empresa, Loh Chin Hua. “Este foi um capítulo doloroso para a Keppel. Os acordos significam que agora podemos olhar para o futuro e trabalhar para conquistar de volta a confiança que nossos acionistas depositaram em nós.”
Lava Jato
Os Estados Unidos estão no caso porque os subornos envolveram a subsidiária americana da companhia, e parte do dinheiro passou por bancos e empresas de fachada do país.
Investigadores americanos afirmaram ainda que o PT, que assumiu a Presidência em 2002, teria usado sua influência sobre a companhia para receber parte dos pagamentos. O partido nega.
As denúncias estão ligadas à operação Lava-Jato, que já gerou acusações contra companhias em diversos países e levou até mesmo a um pedido de impeachment do atual presidente do Peru por seu suposto envolvimento em corrupção.
A Keppel é uma das principais fornecedoras da Petrobras. No Brasil, era representada pelo engenheiro e lobista Zwi Skornicki, que foi preso na 23ª fase da Lava Jato, em fevereiro de 2016.
Em sua delação premiada, homologada em outubro daquele ano, ele disse ter pago US$ 4,5 milhões ao marqueteiro do PT João Santana, dinheiro que teria entrado como caixa 2 na campanha de 2010 de Dilma Rousseff. Ele declarou ainda ter pago propinas para executivos da estatal brasileira e para o PT desde 2003.
Multa e acordos
A Keppel foi multada em US$ 422 milhões (R$ 1,4 bilhão) para evitar ser processada criminalmente. O acordo com autoridades americanas ainda prevê o reforço de mecanismos internos de controle e práticas de compliance, além da aplicação de sanções da ordem de US$ 8,9 milhões a 12 funcionários e ex-funcionários envolvidos nas denúncias.
A empresa também fez acordos com autoridades de Cingapura e do Brasil para evitar processos com base em termos “bem semelhantes” aos estabelecidos nos Estados Unidos, informou a ministra.
A decisão foi tomada levando em conta que a companhia fez voluntariamente uma investigação interna e informou os resultados ao Bureau de Investigação de Práticas Corruptas e à Procuradoria-Geral de Cingapura em setembro de 2016, além de ter cooperado com autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e de Cingapura.
Do total da multa, 50%, ou R$ 692,4 milhões, serão devidos ao Brasil, para indenizar os cofres públicos. O acordo entre o estaleiro Keppel Fels Brasil, subsidiária brasileira da empresa, e o Ministério Público Federal (MPF) foi anunciado em dezembro do ano passado e ainda será submetido à homologação da Câmara de Combate à Corrupção do MPF.
Segundo o MPF, o valor da multa representa o dobro do obtido com os contratos envolvidos no esquema de corrupção e deve ser quitado em até 90 dias após a homologação dos termos firmados, que ainda preveem a devolução de uma parcela dos lucros obtidos com estes negócios.
“Enquanto no passado muitas empresas estrangeiras corrompiam no Brasil e pagavam multas apenas no exterior por não acreditarem no funcionamento da Justiça brasileira, hoje o êxito da Lava-Jato, aliado à articulação internacional dos procuradores da República, tem permitido que os valores retornem ao Brasil”, ressaltou procurador da República Paulo Roberto Galvão, membro da força-tarefa da Lava Jato no MPF/PR.
Outros 25% caberão aos Estados Unidos e 12,5%, a Cingapura. O restante será devido também ao país asiático caso não sejam aplicadas novas penalidades por autoridades brasileiras nos próximos três anos, de acordo com a íntegra da fala da ministra publicada pelo jornal Today, de Cingapura.
“Se as condições do acordo ou os pagamentos não forem realizados, a empresa pode ser processada”, disse Rajah.
‘Ninguém saiu impune’
No Parlamento, membros do Partido dos Trabalhadores de Cingapura, que faz oposição ao governo, questionaram se a Keppel Offshore and Marine está recebendo uma punicação branda demais, como apontam alguns críticos, de acordo com o jornal Sydney Morning Herald.
A ministra refutou a alegação e ressaltou que a multa aplicada é oito vezes superior ao valor pago em propinas. Ela reconheceu que a corrupção é endêmica em muitas partes do mundo e afirmou que o país não pode atuar como uma “polícia global”, mas que o governo não aceitará atos de corrupção de cidadãos ou empresas de Cingapura no exterior.
“Essas pessoas não podem rebaixar padrões de integridade e trazer para Cingapura práticas que violam normas implantadas aqui com grande esforço.”
A ministra acrescentou que “certos indivíduos” ainda estão sendo investigados. Suas identidades não foram reveladas para não prejudicar o andamento do processo nem gerar danos a quem venha a ser considerado inocente depois. “Ninguém saiu impune”, disse Rajah.
Acusações
O escândalo eclodiu em um momento de fragilidade do primeiro-ministro do país, Lee Hsien Loong, filho do fundador e primeiro premiê de Cingapura, Lee Kuan Yew (1923-2015).
Os dois irmãos de Loong o acusaram em junho do ano passado de abuso de poder por tentar transformar a casa de sua família em um monumento histórico, contrariando os desejos de seu pai de que fosse demolida, para se apropriar do legado de Lee Kuan Yew e, assim, beneficiar politicamente a si próprio e a seu filho.
Também criticaram o que consideram uma influência excessiva da mulher de Loong no governo sem que ela tenha um cargo oficial ou sido eleita para tal. O premiê disse ter ficado “profundamente triste com as infelizes alegações”.
Ao mesmo tempo, no setor de petróleo e gás de Cingapura, 17 homens estão sendo processados pelo roubo de mais de mais de 2 mil toneladas de petróleo da maior refinararia da Shell, avaliadas em $ 1 milhão, segundo a agência de notícias Reuters. Autoridades também confiscaram mais de US$ 2 milhões em dinheiro e um petroleiro que transportava combustível entre o Vietnã e Cingapura.
De acordo com a Shell, que denunciou o roubo em Agosto, entre os presos estão um “número limitado” de funcionários da companhia.
Fonte: BBC Brasil
BNC Mundo