BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira (3) o julgamento em que acabou por restringir, por unanimidade, o foro privilegiado a deputados e senadores que tenham cometido crimes no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas. Por consequência, a decisão faz com que desçam para a primeira instância processos com acusação de estupro e homicídio, por exemplo, desde que não haja relação com o mandato, além de outras acusações de crimes anteriores ao exercício do cargo.
O último voto na ação, que começou a ser julgada em maio do ano passado, foi dado nesta quinta-feira (3) pelo ministro Gilmar Mendes. O ministro votou pela restrição, mas não apenas para deputados e senadores, como a maioria já havia se manifestado. Neste ponto, Gilmar ficou vencido.
Apesar de votar pela restrição, Gilmar ponderou que a decisão não vai melhorar os males do país. “Não é proibido enganar o povo, mas é cruel enganar o povo. Aqui nós estamos vendendo ilusão. Não vai melhorar a justiça criminal com isso [restrição do foro], pelo contrário. Eu aposto que vai piorar”, ressaltou.
Segundo o ministro, na Justiça de primeira instância inquéritos não são abertos e denúncias oferecidas não são julgadas. “O Brasil é o país que deixa prescrever crime de júri”, criticou. Sobre o caso específico da celeridade da Operação Lava Jato, ele disse que só ocorre porque a 13ª Vara Federal de Curitiba, encabeçada pelo juiz Sérgio Moro, trata exclusivamente dos processos relativos aos casos de corrupção na Petrobras, não podendo ser comparada com a Justiça criminal de maneira geral.
Gilmar também disparou contra os dois meses de férias por ano a que juízes e membros do Ministério Público Federal (MPF) têm direito, além de outros benefícios como licença-prêmio. “Devemos ser o único país que tem dois meses de férias para juízes e promotores, fora os 6 meses de licença prêmio no Ministério Público. Só na equalização disso aqui já ganharíamos 10% de força de trabalho”, fustigou o magistrado.
Maioria
Até a noite de ontem (quarta-feira, 2), dez ministros já haviam votado a favor da medida, sendo que sete no sentido de que o foro se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas, e três sustentando que o foro deveria valer para crimes praticados no exercício do cargo, mas alcançando todas as infrações penais comuns, independentemente de se relacionaram ou não com as funções públicas.
A tese vencedora foi defendida em plenário pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso. O ministro foi seguido integralmente por Cármen Lúcia, Celso de Mello, Edson Fachin, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber.
Alexandre de Moraes abriu divergência no sentido de que o foro especial deveria valer para todos os tipos de crimes e não só os cometidos em função do cargo. Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes também votaram com esse entendimento. Apesar da divergência dos quatro ministros, todos também concordaram que o foro deve ser restringido e que a renúncia ao cargo já nas alegações finais do processo penal não altera a competência do Supremo para julgar o caso.
“Resolvo por fixar competência do STF para julgar membros do Congresso exclusivamente aos crimes praticados após a diplomação, independentemente de sua relação ou não com função pública em questão”, disse Dias Toffoli, que havia pedido vista (interrompeu o julgamento com pedido de mais tempo para analisar o caso) da ação no ano passado, quando a Corte já tinha maioria.
Retificação de voto
Nesta quinta-feira (3), antes do voto de Gilmar, Toffoli pediu para retificar seu voto para estabelecer balizas de restrição do foro não só para parlamentares federais, mas também para outros agentes públicos. Entre suas retificações, ele sugeriu que fosse fixado a competência por prerrogativa de foro, prevista na Constituição Federal, quanto aos demais cargos, exclusivamente quanto aos crimes praticados após a diplomação ou a nomeação (conforme o caso), independentemente de sua relação ou não com a função pública em questão.
Toffoli também sugeriu que fosse “inaplicáveis as regras constitucionais de foro quanto aos crimes praticados antes da diplomação ou da nomeação, hipótese em que os processos deverão ser remetidos ao juízo de primeira instância competente, independentemente da fase em que se encontrem”. Além disso, propôs que fosse reconhecida a inconstitucionalidade das normas previstas nas Constituições estaduais que contemplem hipóteses de prerrogativa de foro não previstas expressamente na Constituição Federal.
De acordo com ele, caso suas sugestões fossem acolhidas pelo plenário, as medidas alterariam as regras do foro privilegiado para 16 mil agentes públicos, e não só para os 513 deputados e 81 senadores.
Pela Constituição, prefeitos, juízes de primeiro grau, integrantes do Ministério Público e deputados estaduais, por exemplo, são julgados na segunda instância. Governadores são julgados no Superior Tribunal de Justiça. Presidente da República, vice, ministros de Estado, senadores e deputados federais só podem ser julgados pelo Supremo. Comandantes do Exército, da Marinha e membros do Tribunal de Contas da União também possuem foro privilegiado.
A estimativa é que, em todo o país, existam 37 mil autoridades com foro por prerrogativa de função, dos quais 800 respondem a processos no Supremo. Outros 2.700 no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e mais de 30 mil nos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça. O caso decidido pelo Supremo restringe o benefício de julgamento apenas para parlamentares investigados por crime cometido em razão e no exercício do cargo.
Procrastinação do julgamento
Em seu voto, Barroso lembrou que a legislação em vigor têm levado diversos casos à prescrição por decurso de prazo, livrando corruptos e demais criminosos da punição, dada a morosidade do STF – é consenso entre os operadores do Direito que o tribunal não tem estrutura apta a cuidar de tantos processos criminais. Barroso lembrou que, a cada mudança de posto, o político é beneficiado pela demora de conclusão de um processo toda vez que há transferência do caso de um tribunal para outro.
A tese de Barroso prevê ainda que um determinado processo não poderá migrar de instância quando já estiver no final da instrução processual. É nessa fase que, no encaminhamento do julgamento de ações penais, alegações finais são apresentadas pelas partes. Isso garante que o agente público processado no Supremo continue a ser julgado na corte mesmo se deixar o mandato – seja qual for o motivo (renúncia, mudança de posto etc), o caso que tenha atingido a fase de instrução não mudará de instância, o que impede a procrastinação do julgamento.
O caso concreto
Iniciado em maio do ano passado, o julgamento encerrado nesta quinta-feira (3) é baseado no caso do prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes (MDB). Acusado de crime eleitoral, ele chegou a ser empossado como suplente do deputado cassado Eduardo Cunha (MDB-RJ). Porém, Marcos da Rocha Mendes, cujo nome político é Marquinho, renunciou ao mandato parlamentar para assumir o cargo no município.
Ele respondia a uma ação penal no STF por suposta compra de votos, mas, em função da posse no Executivo municipal, o processo foi remetido para a Justiça. Ainda no ano passado, Mendes teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com Informações do Congresso em Fco
BNC Política