KIEV – Diplomatas dos Estados Unidos e da Rússia se reúnem nesta terça (18) em Riad, na Arábia Saudita, para discutir um possível acordo de paz na Ucrânia. A iniciativa, conduzida pelo governo Trump sem a participação da União Europeia ou do próprio governo ucraniano, tem gerado forte reação em Kiev e inquietação entre os aliados europeus.
O encontro ocorre após uma ligação entre Donald Trump e Vladimir Putin, na última quarta (12), na qual o presidente norte-americano expressou interesse em acelerar um cessar-fogo. A reunião também representa um marco nas relações entre os dois países, sendo um dos primeiros encontros presenciais de alto nível entre Washington e Moscou desde o início da guerra.
A escolha da Arábia Saudita como sede da negociação reforça o papel de mediação do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que já facilitou trocas de prisioneiros entre Rússia e Ucrânia no passado. O governo saudita tem se posicionado como um ator neutro no conflito, mas sua proximidade tanto com Moscou quanto com Washington levanta questionamentos sobre sua imparcialidade.
A delegação dos EUA será liderada pelo secretário de Estado Marco Rubio, acompanhado pelo conselheiro de segurança nacional Mike Waltz e pelo enviado especial Steve Witkoff. Pelo lado russo, participam o chanceler Sergey Lavrov e o assessor presidencial Yuri Ushakov. Entre os principais temas em pauta, estão a possibilidade de um cessar-fogo imediato, a manutenção das forças russas em territórios ocupados e a exigência de Moscou para que a Ucrânia abandone suas ambições de adesão à OTAN.
A ausência da União Europeia no processo de paz tem sido motivo de críticas dentro do bloco, mas para a Rússia, sua participação é irrelevante. O chanceler russo Sergey Lavrov declarou que “não sabe o que a Europa tem a fazer na mesa de negociações sobre a Ucrânia”, insinuando que os europeus não estariam interessados em um acordo real, mas sim na manutenção do conflito.
A fala reflete o isolamento do bloco nessas tratativas, ao mesmo tempo em que líderes europeus tentam reorganizar sua estratégia para garantir que seus interesses sejam considerados.
Europa convoca reunião de emergência
Diante da movimentação dos EUA, líderes europeus convocaram uma reunião de emergência em Paris para debater uma resposta comum e evitar que o continente seja excluído das negociações. O encontro contará com a presença de França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha, Polônia, Países Baixos e Dinamarca, além da Comissão Europeia e da OTAN.
A apreensão europeia se deve ao fato de que a negociação, liderada por Washington, pode resultar em concessões territoriais à Rússia sem garantias para a segurança regional. O presidente francês, Emmanuel Macron, enfatizou que a Europa não aceitará um acordo que ignore seus interesses e os de Kiev. “Esta guerra não se trata apenas da Ucrânia, mas da segurança de toda a Europa”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, António Costa.
Além de temer um acordo desfavorável, os europeus enfrentam dilemas internos sobre como responder ao novo cenário. O Reino Unido e a Suécia já manifestaram disposição para enviar tropas de paz à Ucrânia caso um cessar-fogo seja estabelecido, aumentando o risco de confronto direto com a Rússia.
Entretanto, há divergências dentro da UE. Enquanto países como a França e a Polônia defendem um papel mais ativo na segurança ucraniana, a Alemanha hesita em apoiar medidas que possam aumentar a escalada militar. O chanceler alemão Olaf Scholz alertou que qualquer presença militar europeia na Ucrânia precisaria ser cuidadosamente negociada.
A mudança na postura dos EUA também reacende debates sobre a segurança europeia. Com a retirada gradual do apoio militar norte-americano, líderes do continente avaliam acelerar iniciativas para fortalecer uma defesa própria. Macron tem defendido a criação de um exército europeu, mas a falta de consenso entre os países do bloco ainda dificulta avanços concretos.
Perdas territoriais e pressão sobre Kiev
A Rússia atualmente controla cerca de 20% do território ucraniano, incluindo as regiões de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia, além da Crimeia, anexada em 2014. Informações da imprensa norte-americana indicam que Trump estaria disposto a pressionar a Ucrânia a aceitar a perda definitiva dessas áreas como parte de um cessar-fogo.
Moscou, por sua vez, rejeita qualquer devolução de território e insiste que a Ucrânia abandone suas ambições de integrar a OTAN. O chanceler russo Sergey Lavrov declarou que as negociações devem consolidar a nova realidade geopolítica, sem espaço para revisões. “A Ucrânia e o Ocidente precisam aceitar que o mapa da região mudou”, disse Lavrov.
Zelensky denuncia exclusão e busca apoio internacional
O governo ucraniano criticou a ausência de Kiev nas negociações e afirmou que qualquer decisão tomada sem sua participação será inaceitável. O presidente Volodymyr Zelensky reforçou que não aceitará acordos impostos pelos EUA e pela Rússia e alertou que o isolamento da Ucrânia no processo diplomático pode enfraquecer sua posição.
“O destino da Ucrânia não pode ser decidido sem os ucranianos”, declarou Zelensky, que busca apoio internacional para reverter a situação. O presidente também intensificou contatos diplomáticos, planejando encontros com líderes europeus para assegurar que o país não seja deixado de lado.
Outras implicações e o futuro das relações EUA-Rússia
As negociações em Riad também levantam outras questões geopolíticas. O governo dos EUA estaria considerando a presença de tropas de paz de países não europeus, incluindo Brasil e China, para garantir um eventual cessar-fogo. O Kremlin, no entanto, rejeita qualquer proposta sem seu aval e insiste que a segurança da Ucrânia deve ser gerida com garantias russas.
Além disso, a aproximação entre Trump e Putin pode marcar o início da normalização das relações entre os dois países, alterando a dinâmica das sanções econômicas e da política externa ocidental. A decisão dos EUA de negociar diretamente com Moscou enfraquece o isolamento diplomático imposto à Rússia desde 2022 e sinaliza uma nova fase nas relações internacionais.
Enquanto Washington e Moscou avançam nas negociações sem a participação de Kiev e da União Europeia, a Ucrânia enfrenta o risco de ver suas demandas ignoradas em um acordo que favoreça a Rússia. A reação europeia ainda é incerta, mas o cenário evidencia uma nova configuração de forças na geopolítica global, com a Europa tentando redefinir seu papel diante da postura isolacionista dos EUA e do fortalecimento da posição russa.