BRASÍLIA – Dois documentos internos do governo federal, um da Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais, vinculada ao Ministério da Economia, e outro do Ministério da Saúde, mostram grande preocupação do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com os impactos que a pandemia do novo coronavírus terão para o país se ações emergenciais não forem tomadas para evitar que a doença se espalhe ainda mais.
“Os atrasos entre o início da epidemia e a implementação de medidas de controle são onerosos”, escrevem os técnicos em um documento finalizado na tarde desta terça-feira, 24, a que a CNN teve acesso. Eles citam o caso do último surto de ebola para exemplificar o impacto que uma epidemia pode ter e destacam que “a mitigação a epidemia continua sendo a única opção política.” Afirmam ainda que “atrasos na detecção e controle são, em última análise, muito caros, porque os custos de contágio e mitigação crescem exponencialmente”.
O relatório foi gerado às 18h46, menos de duas horas antes do discurso do presidente em rede nacional, quando voltou a chamar o coronavírus de “gripezinha” e criticou medidas de quarentena adotadas por governadores como em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Segundo o documento, os custos adicionais do COVID-19 para o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ultrapassar R$ 410 bilhões. “Apenas os custos com internações em unidades de terapia intensiva (UTI), para o cenário de uma taxa de infecção populacional de 10%, seria de R$ 9,31 bilhões. A estimativa de gastos no cenário de 10% é semelhante ao montante anunciado pelo governo federal para o combate à pandemia, de 9,5 bilhões de reais”, destaca o texto, que não explica a origem do valor total dos custos adicionais, que é mais do que todo o orçamento do Ministério da Saúde para 2019 (R$ 147,43 bilhões, segundo o Portal da Transparência).
O relatório produzido embasa uma carta-consulta, documento usado para pedir empréstimos. O governo federal solicitou US$ 100 milhões ao Banco Mundial para o enfrentamento da pandemia, que seriam disponibilizados até abril de 2020. Procurado, o Banco Mundial confirmou a solicitação, mas disse que mais detalhes deveriam ser esclarecidos pelos ministérios.
Medidas previstas por técnicos do Ministério da Saúde para combater coronavírus
Foto: Reprodução O objetivo principal do empréstimo, segundo a carta, é aumentar a capacidade de diagnóstico do país, com monitoramento diário para acompanhar a evolução dos casos, bem como no apoio aos estados.
No início de março, o Banco Mundial anunciou um pacote de US$ 12 bilhões para apoiar os países a lidar com ações de combate e prevenção ao coronavírus. O objetivo é combater e prevenir as consequências da pandemia, inclusive econômicas e sociais. O projeto prevê ações que seriam implementadas ao longo de 12 meses.
Entre os componentes prometidos pelos brasileiros para uso dos recursos está a compra de kits de testes moleculares e rápidos para detecção do COVID-19, contratação de atendimento pré-clínico, à distância, para fazer triagem de pacientes com sintomas e contratação de profissionais de saúde em caráter emergencial.
O projeto prevê como fonte de financiamento o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), com a modalidade de empréstimo Programa de Investimento, em que os recursos só podem ser usados em despesas específicas.
A implementação do processo será por conta da Secretaria de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, com apoio de outras secretarias da pasta. O órgão preparou uma série de slides, a que a reportagem teve acesso, em que apresenta o chamado Programa Emergencial de Apoio ao Enfrentamento da Pandemia de Coronavírus (COVID-19).
No documento, o órgão federal defende, entre outras ações, medidas como o isolamento, a quarentena e “diversas medidas de adoção compulsória”. Prevê ainda a testagem de 1,53 milhões de pessoas sintomáticas. Também é citado, como forma de provimento de médicos, um“edital CRM e cubanos”, sem detalhes, com “oferecimento de remuneração atrativa”.
O documento prevê ainda alguns riscos para a medida, como o de prazos (fornecedores não conseguiriam atender à alta demanda em tempo hábil), escassez de insumos (alta demanda global), preços (aumento considerável de preços por causa da demanda), escassez de pessoal qualificado e de especialistas.
Há ainda a preocupação com a desaceleração da economia mundial e no Brasil. O relatório cita dados do Banco Mundial de que a pandemia pode resultar em desaceleração do PIB global de 4,8%. Já no Brasil, cita que “a queda acumulada do Ibovespa, até o dia 18 de março de 2020, era de 42%, contra 41,22% durante a crise de 2008.”
Em nota, o Ministério da Economia confirmou o pedido de empréstimo, mas disse que o texto do documento é de competência técnica e autoria do Ministério da Saúde. “Não temos posicionamento em relação ao tema”, diz a pasta. A CNN pediu nota ao Ministério da Saúde, que ainda não deu retorno. O espaço segue aberto para manifestação.
Fonte: CNN Brasil