BRASÍLIA – Três prefeitos afirmaram nesta terça-feira (5), durante audiência no Senado, que um pastor cobrava propina em dinheiro, ouro e até por meio da compra de bíblias para conseguir liberar verbas no Ministério da Educação. Conforme os relatos, as cobranças de propina partiam do pastor Arilton Moura. Segundo os prefeitos, ele também ajudava a viabilizar reuniões no MEC com o então ministro Milton Ribeiro e com o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte.
O pastor Gilmar Santos também foi citado entre os participantes das conversas. Os dois tinham trânsito livre no MEC (leia mais abaixo).
A audiência foi organizada pela Comissão de Educação do Senado. Os prefeitos foram chamados a prestar depoimento após denunciarem a suposta atuação de pastores em recursos do MEC.
As cobranças se davam em troca da construção de escolas e creches, disseram os prefeitos. Eles reforçaram ainda que, após a negativa do pagamento de propina, a verba para as obras não foi empenhada.
Em 22 de março, se tornou conhecida uma gravação na qual o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, dizia a prefeitos que, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, repassava verba a municípios indicados por pastores. O episódio levou à demissão de Milton Ribeiro.
1 kg de ouro
De acordo com o prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, em 7 de abril do ano passado, ele foi a Brasília para participar de uma reunião no Ministério da Educação.
O objetivo do encontro seria discutir obras inacabadas vinculadas à pasta. Após a reunião, disse Braga, o pastor Arilton Moura convidou os prefeitos para um almoço e cobrou um quilo de ouro em trocar de conseguir recursos do MEC.
“Até então, eu não conhecia o ministro da Educação. O pastor estava, sim, sentado à mesa na hora da palestra no MEC e, em seguida, nós fomos para esse almoço. E, lá nesse almoço, que não estava o ministro, só estavam os dois pastores, tinha uma faixa de uns 20 a 30 prefeitos. Ele virou para mim e disse: ‘Cadê suas demandas?’. E ele falou rapidamente: ‘Você vai me arrumar os 15 mil para eu protocolar as demandas e depois que o recurso tiver empenhado, depois, como a sua região é de mineração, vai me trazer 1 quilo de ouro’. Eu não disse nem que sim nem que não, me afastei da mesa e fui almoçar”, acrescentou Gilberto Braga.
Ainda durante a audiência no Senado, o prefeito de Luís Domingues disse que a conversa foi “aberta” e que todos que estavam à mesa ouviram.
“Então, eu acredito que ele tenha feito várias propostas para outras pessoas”, disse Gilberto Braga.
Pedidos de R$ 15 mil a R$ 40 mil
Ainda durante a audiência da Comissão de Educação do Senado, o prefeito de Boa Esperança do Sul (SP), José Manoel de Souza, reiterou que o pastor Arilton Moura pediu R$ 40 mil de propina, também para conseguir a liberação de recursos no MEC.
“O Arilton perguntou: ‘Você sabe muito bem como funciona, né? O Brasil é muito grande, não dá para ajudar todos os municípios. Mas eu consigo te ajudar com uma escola profissionalizante. Eu faço um ofício agora, chamo a Nely, você assina um ofício, coloco no sistema e, em contrapartida, você deposita R$ 40 mil na conta da igreja evangélica'”, relatou o prefeito.
Já o prefeito de Bonfinópolis (GO), Kelton Pinheiro, relatou que, antes de conseguir uma reunião com Milton Ribeiro no MEC, foi abordado por uma pessoa desconhecida que dizia que o pastor Gilmar Santos queria conhecê-lo e propôs um encontro na sede da igreja.
Segundo Kelton, o encontro aconteceu em março do ano passado, em Goiânia, e teve a participação do pastor Arilton. Na ocasião, contou, Arilton afirmou que tinha um “canal interessante” em Brasília e que o então ministro era “nosso irmão de fé”.
Ele afirmou ainda que Arilton, na sequência, pediu uma “contribuição” para a igreja por meio da compra de mil bíblias, cada uma no valor de R$ 50. O prefeito disse que negou comprar o material e, dez dias depois, teve uma reunião com Milton Ribeiro, ao lado do presidente do FNDE, dos pastores e de outros prefeitos.
Após a reunião no MEC, disse o prefeito goiano, os pastores convidaram os prefeitos que estavam no encontro para um almoço.
“Foi quando veio o pastor Arilton e me abordou de forma abrupta e direta: vi o seu ofício para uma escola de 12 salas. Essa escola deve custar uns R$ 7 milhões. Mas é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje, você faz uma transferência para a minha conta, porque esse negócio de para depois não cola comigo, porque vocês políticos são malandros, não têm palavras, se não pegar antes, depois não paga ninguém”, relatou o prefeito, que diz ter saído do restaurante logo em seguida.
Outros depoimentos
Outros dois prefeitos – Helder Aragão, de Anajatuba (MA), e Calvet Filho, de Rosário (MA) – prestaram depoimento nesta terça.
Os dois negaram ter presenciado qualquer cobrança de propina. Por outro lado, eles disseram que, diferentemente dos outros, conseguiram a liberação de recursos na pasta.
Calvet Filho relatou ainda que, em janeiro deste ano, teve uma reunião no apartamento de Ribeiro para pedir a liberação de recursos. Após o pleito, cerca de R$ 15 milhões foram empenhados para a construção de escolas e creches. Segundo ele, não houve outros participantes do encontro. O prefeito disse conhecer os pastores Gilmar e Arilton apenas para “agendas missionárias”.
‘Gabinete paralelo’
Os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos integravam, segundo as denúncias dos prefeitos, o chamado “gabinete paralelo” do MEC, tendo trânsito livre na pasta e exercendo influência sobre a destinação de verbas da pasta e também sobre a agenda do então ministro Milton Ribeiro.
Quando o áudio de Milton Ribeiro se tornou conhecido, Gilmar Santos divulgou uma nota na qual negou envolvimento com qualquer ato ilícito ligado ao Ministério da Educação.
Afirmou ainda não fazer parte do chamado “gabinete paralelo” e negou ter atuado em qualquer “ato de corrupção”, acrescentando não exercer influência sobre a pasta ou sobre Milton Ribeiro.
Fonte: G1
BNC Política