SÃO PAULO – Não é de hoje que o combo Natal e cinema vende. O primeiro filme natalino da história, “Santa Claus”, é de 1898, três anos depois de o cinematógrafo ser apresentado ao público pela primeira vez.
Foi só mais recentemente, nos anos 2000, porém, que esses filmes começaram a ser feitos em massa, diz a pesquisadora australiana Lauren Rosewarne, autora de “Analyzing Christmas in Film”, ou analisando o Natal no cinema, sem edição no Brasil.
Naquela época de apogeu da TV a cabo, muitos canais encontraram na produção de conteúdo próprio uma forma de engordar suas grades de programação. E filmes de Natal, previsíveis e relativamente baratos, eram uma ótima alternativa nesse sentido. Enquanto um deles custa cerca de US$ 2 milhões, um filme hollywoodiano em geral começa nos US$ 10 milhões.
Um dos canais que mais investiu nesse conteúdo sazonal foi o americano Hallmark. A partir de 2009, ele passou a produzir em série comédias românticas ambientadas na data, parte de um plano de negócios que buscava alinhar a identidade do canal com o segmento de cartões natalinos da empresa. Em 2010, foram cinco. No ano passado, foram 40. As informações são de uma reportagem Wall Street Journal.
Pode parecer muito -e é, se pensarmos que a maioria desses filmes é formada por variações de uma mesma trama que inclui, entre outros, identidades trocadas, encontros mágicos em lojas de departamento e, claro, um protagonista que odeia o Natal.
“Parece que estamos assistindo sempre aos mesmos filmes porque, basicamente, estamos”, resume Rosewarne. “As histórias são simplistas e repetitivas porque isso ajuda a moldar as nossas expectativas em relação ao gênero.”
Agora, a expectativa é que a quantidade de produções do tipo cresça ainda mais. Isso porque, na guerra do streaming, as plataformas buscam garantir a maior quantidade de títulos para o próprio catálogo –o modelo de maratonas no sofá no qual elas se baseiam exige, afinal, um fluxo constante de novidades. E, de novo, filmes de Natal são uma solução simples e barata para resolver o problema.
A Netflix, por exemplo, lançou seu primeiro título natalino original, um especial com Bill Murray, em 2015. Mas só começou a investir pesado no gênero em 2017, lançando quatro produções desse tipo.
Desde então, vem aumentando a quantidade de filmes, séries e especiais passados no feriado cristão a cada ano –foram ao menos 11 em 2018, 19 em 2019, e 29 deles neste ano.
Vale notar que a maioria dessas obras não é das comédias românticas que viraram sinônimo da data, ainda que elas representem quase um quinto do total de produções natalinas originais da plataforma. Mais numerosos são aqueles voltados para o público infantil, principalmente os animados. Em nota, a Netflix afirma que a empresa “investe numa variedade de gêneros e formatos” natalinos para agradar aos assinantes, “cada um com seu gosto”.
A Netflix não está sozinha nessa avalanche natalina. O recém-lançado Disney+ reúne 71 produções do tipo no seu catálogo, entre clássicos como “Esqueceram de Mim” e estreias exclusivas, como “Noelle”. O Amazon Prime Video tem ao menos 40 títulos, vários deles romances açucarados da Hallmark.
Isso inspira a seguinte pergunta –sendo esse um gênero saturado, cheio de clichês, será mesmo que essa quantidade enorme de títulos não é, no fundo, uma onda de clones, como afirma Rosewarne.
O streaming parece estar transformando um pouco esse cenário. Primeiro, porque as plataformas trouxeram para essas narrativas, dominadas por casais brancos heterossexuais, uma diversidade de raças e de gêneros há muito necessária. Até Kristen Stewart embarcou num romance lésbico ambientado no Natal neste ano, o “Happiest Season”, do Hulu.
Além disso, o modo de produção globalizado dessas empresas, baseado em parcerias com produtoras locais, tem ajudado a mostrar comemorações da data pelo mundo que se afastam dos clichês de suéteres cafonas, príncipes disfarçados e até da neve, que reinam nessas narrativas.
Neste ano, por exemplo, a Netflix lançou produções natalinas da Noruega, da Alemanha, da África do Sul e até do Brasil -o filme “Tudo Bem no Natal que Vem”. Este último, estrelado por Leandro Hassum, reinventa uma trama comum natalina, de “loop do tempo”, ao mostrar um homem que acorda só nas vésperas da data, sem lembrar o que viveu no resto do ano.
Por coincidência, não é o único filme de Natal brasileiro de 2020 -o outro é “Dez Horas para o Natal”, com Luis Lobianco e Giulia Benite, sobre irmãos que correm contra o tempo para comemorar a data como ela merece depois que os pais, separados, desistem da ceia de família tradicional.
Os dois filmes seguem à risca a cartilha natalina definida por Rosewarne, a pesquisadora. São “narrativas centradas no amor, na família e na celebração em que temas como reconciliação, renascimento e reunião são comuns”.
Ao mesmo tempo, incorporam a ela elementos típicos da experiência brasileira –o parente sem graça que repete todo ano a piada do pavê, a gritaria na hora de cortar o peru, o trânsito e as filas no supermercado. Até o caos da 25 de Março, reduto do comércio popular paulistano, aparece em “Dez Horas para o Natal”.
Diretora do longa, Cris D’Amato diz esperar que esses dois filmes de Natal brasileiros sejam os primeiros de muitos.
“Abrimos a porteira”, diz a cineasta. “Às vezes falamos que não dá para fazer tal gênero, porque vamos perder na competição com os americanos. Mas esse filme de Natal me abriu a cabeça.”
Com Informações da Folhaexpress
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