SÃO JOSÉ DE RIBAMAR – A aprovação do chamado PL da Dosimetria pela Câmara dos Deputados, na noite desta terça-feira (9), reacendeu debates profundos sobre o compromisso das instituições brasileiras com a preservação da democracia. Ao prever a redução de penas para condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 — incluindo a possibilidade de benefício ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a outros envolvidos — o projeto de lei produz ondas de indignação e alerta entre autoridades, especialistas e parte significativa da sociedade civil.
O projeto, de autoria do deputado Marcelo Crivella, propõe a reavaliação do cálculo das penas aplicadas a indivíduos que tenham participado de manifestações de caráter político a partir de 30 de outubro de 2022. Embora seus defensores argumentem que o texto busca calibrar punições e evitar arbitrariedades, críticos afirmam que o PL cria uma trilha de impunidade para quem atentou contra os pilares do Estado democrático de direito.
Não por acaso, as reações ao texto foram imediatas e contundentes. O deputado Lindbergh Farias (PT) classificou a noite da votação como “triste para a democracia”, denunciando a aprovação como uma manobra feita “na calada da noite” para aliviar punições de “generais golpistas” e do próprio Bolsonaro. A deputada Maria do Rosário (PT) reforçou o tom de gravidade ao acusar setores da Câmara de “flertar com o fascismo”, num dia marcado por tensão dentro do plenário.
Outros parlamentares também elevaram o tom das críticas. No X, o deputado Rodrigo Rollemberg (PSB) escreveu que a decisão facilita a progressão de regime “para diversos crimes”, chamando-a de “vergonha para este Congresso”. A ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, destacou o que considera um “grave retrocesso” diante de um julgamento histórico que, pela primeira vez, responsabilizou líderes de um atentado contra a democracia brasileira.
Essas reações revelam uma preocupação comum: o PL pode enfraquecer a capacidade do Estado de enfrentar futuras ameaças ao regime democrático. Ao suavizar a punição de crimes contra as instituições, o projeto passa a impressão de que ataques à ordem constitucional podem ser relativizados — justamente em um momento em que o país ainda busca cicatrizar as feridas abertas pelos atos de 2023.
Embora o texto determine tratamento mais brando apenas a participantes sem poder de mando ou responsabilidade financeira no financiamento dos atos, seus efeitos políticos são inegáveis. A simples possibilidade de beneficiar figuras centrais do episódio, inclusive Bolsonaro, cria um ambiente de desconfiança e tensiona o diálogo entre os poderes.
Agora, o projeto segue para o Senado, onde será relatado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC). A expectativa é de que a discussão avance com maior profundidade, dada a repercussão nacional e a centralidade do tema para o futuro da democracia brasileira.
Em última instância, o debate sobre o PL da Dosimetria ultrapassa a técnica jurídica: trata-se de uma disputa simbólica sobre como o Brasil escolhe lembrar — e responsabilizar — os protagonistas do maior ataque à democracia desde a redemocratização. A decisão do Congresso, portanto, não é apenas legislativa, mas histórica.
Por Neuton César
BNC Política
