
RIO DE JANEIRO – Às vésperas da abertura da Assembleia-Geral da ONU, Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal reconheceram oficialmente neste domingo (21) o Estado da Palestina, em um gesto coordenado que rompeu a posição histórica dos principais aliados de Israel no Ocidente. É a primeira vez que membros do G7 adotaram essa medida.
O anúncio foi interpretado como um divisor diplomático na relação transatlântica, ao pôr Londres, Ottawa e Canberra em rota de colisão com Washington, que reiterou seu apoio a Benjamin Netanyahu em meio à guerra na Faixa de Gaza.
Em Londres, o premiê Keir Starmer afirmou em vídeo que o gesto buscava manter viva a perspectiva de uma solução negociada.
“Diante dos horrores crescentes no Oriente Médio, estamos agindo para manter viva a possibilidade de paz e de uma solução de dois Estados. Isso significa um Israel seguro e protegido, ao lado de um Estado palestino viável. No momento, não temos nenhum dos dois”, disse.
Ele acrescentou que a decisão “não é uma recompensa ao Hamas”, pois “o Hamas não terá futuro, nem papel no governo, nem papel na segurança”. Starmer também qualificou como “absolutamente intoleráveis” a fome e a devastação em Gaza.
O ministério das Relações Exteriores britânico detalhou que o país “reconhece a condição de Estado palestino sobre fronteiras provisórias, baseadas nas linhas de 1967 com trocas de terra equivalentes, a serem finalizadas como parte de negociações futuras”.
O vice-premiê e chanceler David Lammy admitiu que o gesto não alteraria de imediato a realidade no terreno, mas justificou que “agora é a hora de defender a solução de dois Estados”.
“Isso vai alimentar crianças? Não, não vai. Isso depende da ajuda humanitária. Vai libertar reféns? Isso depende de um cessar-fogo”, disse Lammy à BBC.
No Canadá, o primeiro-ministro Mark Carney divulgou comunicado no qual acusou Israel de tentar inviabilizar permanentemente a criação de um Estado palestino.
“O Canadá reconhece o Estado da Palestina e oferece nossa parceria na construção da promessa de um futuro pacífico tanto para a Palestina quanto para Israel”, escreveu em rede social.
“O governo israelense tem trabalhado metodicamente para impedir a perspectiva de que um Estado palestino jamais seja estabelecido”, acusou Carney.
Já o premiê australiano Anthony Albanese afirmou que a decisão de Canberra “reconhece as legítimas e antigas aspirações do povo palestino a um Estado próprio” e destacou que a solução de dois Estados “sempre foi o único caminho para uma paz e segurança duradouras para os povos israelense e palestino”.
Com os anúncios, Reino Unido e Canadá se tornaram os primeiros países do G7 a conceder formalmente reconhecimento ao Estado palestino, em um movimento que reforça a pressão diplomática contra Israel e abre caminho para novas adesões.
O gesto coordenado foi descrito por diplomatas como o início de uma “onda” de reconhecimentos, que deve se estender nos próximos dias. França, Bélgica, Luxemburgo, Malta e outros países europeus já sinalizaram que seguirão o mesmo caminho, enquanto Nova Zelândia e Liechtenstein também avaliam fazer o anúncio.
A expectativa é que esse segundo bloco oficialize suas posições durante a semana da Assembleia-Geral da ONU.
A delegação de Portugal, já em Nova York para a Assembleia-Geral da ONU, fez o anúncio no domingo e vinculou o gesto à tradição diplomática do país de defesa do multilateralismo
O chanceler Paulo Rangel declarou que o reconhecimento é “a concretização de uma linha fundamental e constante da política externa portuguesa” e repetiu que a fórmula de dois Estados é “o único caminho para uma paz justa e duradoura”.
Ele acrescentou que “um cessar-fogo é urgente” e sublinhou que “o Hamas não pode ter qualquer forma de controle em Gaza ou fora dela”.
A decisão coordenada dos países estimula de imediato a expectativa de uma “segunda onda” de reconhecimentos. Bélgica, França, Luxemburgo, Malta e possivelmente Nova Zelândia e Liechtenstein devem formalizar o gesto nesta segunda (22), durante uma conferência especial sobre a Palestina organizada às margens da Assembleia-Geral e copresidida por França e Arábia Saudita.
Em julho, o presidente francês Emmanuel Macron já havia anunciado a disposição de Paris em votar a favor da admissão palestina como Estado pleno.
Segundo a ONU, mais de 140 países já reconhecem a Palestina. A diferença é que, desta vez, os anúncios vieram de alguns dos mais tradicionais aliados de Israel.
Para o secretário-geral, António Guterres, o gesto tem caráter simbólico, mas importante. Ele pediu que “os Estados não se deixem intimidar pelas ameaças de Israel de anexar partes da Cisjordânia”, em referência a declarações de ministros do governo Netanyahu sobre novos assentamentos.
A Autoridade Palestina recebeu os anúncios como um marco. O presidente Mahmoud Abbas declarou que o gesto britânico é “um passo importante e necessário para alcançar uma paz justa e duradoura”.
Em Londres, o embaixador palestino Husam Zomlot afirmou que o reconhecimento é um “direito inalienável” e representa “o fim da negação de nossa existência”.
“A questão nunca foi por que o Reino Unido deveria reconhecer o Estado da Palestina. A questão é por que o Reino Unido não reconheceu o Estado da Palestina desde sempre”, completou, em entrevista à BBC.
O Hamas, por sua vez, chamou o reconhecimento de “passo importante na afirmação do direito de nosso povo palestino à sua terra e locais sagrados”.
Um de seus dirigentes, Husam Badran, declarou ao New York Times que a medida “é um passo na direção certa, mesmo que tardio”, mas rejeitou as exigências britânicas de que o grupo não tenha papel em um futuro governo palestino.
BNC Mundo