BRASÍLIA – Depois de chantagens e prolongada pressão do mercado financeiro, entre elas a manipulação da cotação do dólar, o governo Lula anunciou, nesta quarta-feira, 28, um pacote de corte de gastos. Haverá, se aprovado pelo Congresso Nacional, no próximo biênio um corte de 71,9 bilhões de reais. Uma parte, negativamente, retira investimentos em direitos sociais e trabalhistas, tais como na correção do salário-mínimo, abono salarial, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Outra, corretamente, atinge os supersalários no funcionalismo federal, aposentadoria dos militares, emendas parlamentares e benefícios tributários, subsídios. Em relação ao Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), se propõe reduzir o aporte, segundo o texto, em função do aperfeiçoamento de mecanismos de controle sem que se exclua ninguém que pelos critérios tenha direito.
Simultaneamente, o governo formalizou o projeto que isenta do Imposto de Renda quem ganha até cinco mil reais, a ser votado em 2025 e com vigência prevista para 2026. Trata-se de uma importante e antiga reivindicação do movimento sindical. A medida beneficiará em torno de vinte e seis milhões trabalhadores/as. Para compensar, haverá o aumento da taxação de rendimentos para quem ganha acima de cinquenta mil reais por mês, fato positivo, pois inaugura a tributação adequada dos mais ricos, até aqui sempre postergada.
Embora que superficial é positivo o corte na rubrica de subsídios, desonerações, renuncias fiscais que atingiu em 2023, 6% do PIB, R$ 646 bilhões.
O mercado financeiro, de gula insaciável, pela garganta da grande mídia, avaliou que o montante dos cortes é tímido, aquém das necessidades. Na verdade, os banqueiros, rentistas, especuladores, esperavam que os percentuais obrigatórios à Saúde e à Educação fossem reduzidos, subtraídos recursos dos investimentos em ciência e tecnologia, bem como fosse efetivada a desvinculação das aposentadorias e pensões do reajuste do salário-mínimo.
Essa pauta, como já se sublinhou, não era original do governo. Foi-lhe empurrada goela abaixo. O capital financeiro e seu aparato midiático, com a cobertura de forte base parlamentar no Congresso Nacional e colossal peso na estrutura econômica do país, artificialmente impuseram a narrativa de um Brasil em crise, que na verdade não existe. É claro que houve o erro crasso, conforme opinião de renomados economistas, da fixação do déficit fiscal zero, no contexto de reconstrução nacional e soerguimento do país pós-desastre do governo da extrema-direita.
O Brasil estaria, dizem eles, à beira de um descontrole inflacionário e sob uma perdulária política fiscal, irresponsável. A realidade é outra. A economia começa a embicar para cima, com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para mais de 3% em 2024 e percentual recorde, considerando os últimos anos, de geração de empregos. A arrecadação do governo federal com impostos, contribuições e demais receitas teve um aumento de quase 10% em outubro, comparado com o mesmo mês do ano passado. É a maior arrecadação para os meses de outubro, desde 1995. As reservas internacionais atingiram o maior patamar em setembro, US$372 bilhões.
Sob tal pressão, o presidente Lula regeu a equipe econômica na busca de uma proposta que resultasse em menores danos possíveis. Embora que, numa sociedade extremamente desigual como a brasileira, qualquer corte na esfera social, qualquer centavo, tem repercussão elevada.
Pode-se, sem prejuízo do exame criterioso de ponto a ponto do pacote, trazer à exame crítico a proposta que muda a regra do reajuste real do salário-mínimo. Em 2005, o presidente criou a política do aumento real. Bolsonaro acabou com essa política, impondo o arrocho salarial. Em 2023, o presidente Lula novamente a instituiu, com a seguinte regra: taxa real de crescimento do PIB dos dois anos anteriores, além da variação do Índice de preços ao consumidor (INPC) em 12 meses encerrados em novembro do exercício anterior ao do reajuste. O pacote muda a regra, pois passa a vigorar uma trava, de aumento máximo de 2,5%, advinda do arcabouço fiscal.
Atualmente, o salário-mínimo está em 1.412 reais. Em 2025, pela fórmula atual de correção, teria o valor de 1521 reais. Pela nova regra, com a trava, ele continuaria crescendo, mas seis reais a menos, ficando em 1.515 reais. Parece pouco, mas não é. Representa cerca de um terço do total do pacote de cortes.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário-mínimo serve de referência para 59,3 milhões de pessoas no Brasil. Além dos trabalhadores que, por contrato, recebem um salário-mínimo ou múltiplos dele, há também as aposentadorias, pensões e benefícios vinculados ao mesmo valor. O mínimo também impacta o salário médio do país e alavanca o mercado interno. É um dos principais vetores da redução das desigualdades. Isto posto, fica patente as consequências danosas dessa trava.
O custo de juros no país em 2023 foi de 649 bilhões de reais, soma quatro vezes maior do que o orçamento do Bolsa Família. O mercado financeiro agora rufa os tambores para que a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 11,25%, chegue a 13%, 14% até o final do ano próximo, com um aumento precificado pelo mercado de 0,75%, já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de dezembro. Cada ponto da Selic custa 38 bilhões reais ao governo com pagamento de serviços e juros da dívida pública. Dois pontos a mais na Selic, custa mais do que o total de cortes previsto para 2025 e 2026.
Esses dados ficam ocultos, invisíveis aos olhos do povo. Agora, quando se abre o período de debates e votação no Congresso Nacional sobre o referido pacote, há que denunciar o que devora mais da metade do Orçamento Federal e suga parte considerável da riqueza nacional. Do mesmo modo, quando está em jogo o orçamento federal e importantes direitos trabalhistas e sociais, entre eles o aumento real do salário mínimo, é indispensável a mobilização das entidades e movimentos do povo e dos trabalhadores, das centrais sindicais, em oposição ao pesado lobby do capital financeiro e das classes do topo da pirâmide.
BNC Política
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