RIO DE JANEIRO – Na manhã de 28 de outubro de 2025, uma megaoperação das forças de segurança do estado do Rio de Janeiro transformou os Complexos do Alemão e da Penha em cenário de guerra. Segundo a Secretaria de Segurança, cerca de 2.500 agentes participaram da ação batizada de Operação Contenção, que visava prender lideranças do Comando Vermelho.
O saldo oficial é de pelo menos 60 mortos e 80 presos. Organizações sociais e moradores afirmam, porém, que o número real de vítimas pode ultrapassar 100 pessoas, incluindo civis.
Se confirmados, esses dados fazem da ação a mais letal da história do país, superando o massacre do Jacarezinho (2021), que deixou 28 mortos.
“Começou às cinco da manhã, muito tiro. Eu botei a cabeça pra fora e quase fui atingido. Parecia guerra — mas não era o tráfico, era o Estado”, relatou Antonio Marcos, morador do Complexo do Alemão, à agência Reuters.
TIROS, MEDO E LUTO NAS FAVELAS
Durante mais de 12 horas de confronto, helicópteros sobrevoaram as comunidades enquanto blindados circulavam pelas vielas. Escolas e postos de saúde não funcionaram, e moradores ficaram presos dentro de casa. Nas redes sociais, vídeos mostravam corpos nas ruas e gritos por socorro.
“Eu só quero enterrar meu filho. Dizem que era criminoso, mas ele estava indo trabalhar”, disse Taua Brito, moradora da Penha, ao Malay Mail, segurando uma foto do jovem morto.
Organizações de direitos humanos relataram dificuldade de acesso ao local e apontaram possíveis casos de execução sumária, já que parte dos corpos teria sido encontrada em matas e removida por familiares antes da chegada da perícia.
O GOVERNO DEFENDE A AÇÃO
O governador Cláudio Castro (PL) classificou a operação como “um sucesso contra o crime organizado”.
“Os únicos mortos de bem foram os policiais. O resto é bandido que reagiu”, disse o governador em entrevista coletiva, reafirmando que a ação “foi necessária para proteger a população”.
A Polícia Civil afirmou que foram apreendidos 91 fuzis, centenas de munições e drogas.
Em nota, a corporação negou que tenha havido “execuções” e disse que “todas as mortes serão investigadas pela perícia”.
ESPECIALISTAS QUESTIONAM O MODELO DE SEGURANÇA
Para o sociólogo Luis Flávio Sapori, professor da PUC-Minas e especialista em segurança pública, o episódio “é sintoma de um modelo esgotado”.
“É uma operação com números de guerra, mas sem efeito estratégico. O crime organizado não se desmonta com confrontos letais, e sim com inteligência e política social.”
A diretora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, reforça o diagnóstico:
“Essas operações eliminam os elos mais frágeis da cadeia do tráfico. As lideranças continuam atuando, e a população fica refém tanto do crime quanto do Estado.”
Segundo dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (UFF), entre 2007 e 2022, 40% das mortes em operações policiais no Rio ocorreram em chacinas — ações com três ou mais mortos em um mesmo evento. Apesar disso, o número de lideranças do tráfico presas caiu no mesmo período.
PRESSÃO INTERNACIONAL E INVESTIGAÇÃO
A Anistia Internacional pediu investigação independente e afirmou que “as operações letais no Brasil seguem um padrão de violações sistemáticas de direitos humanos”. O escritório da ONU para Direitos Humanos também manifestou preocupação e cobrou transparência na identificação das vítimas.
O Ministério Público do Rio abriu inquérito especial para apurar o uso excessivo da força e possíveis irregularidades na contagem de mortos. Entidades como a Defensoria Pública e o Instituto Marielle Franco exigem que os corpos sejam identificados e que as famílias tenham acesso aos laudos.
O PESO DO SILÊNCIO
Entre as vielas da Penha e do Alemão, o medo permanece.
Moradores contam que o comércio voltou a funcionar, mas o clima é de luto e desconfiança.
“A gente vive entre dois fogos. O tráfico de um lado, a polícia do outro. E quem morre é sempre o mesmo povo”, disse uma moradora que preferiu não se identificar.
A tragédia reacende o debate sobre quem o Estado realmente protege e qual o preço da segurança pública no Brasil. Para especialistas e defensores de direitos humanos, o episódio reforça uma urgência: substituir o modelo de confronto por políticas que tratem a vida nas favelas como prioridade — e não como alvo.
Fontes:
Reuters, AP News, The Guardian, Agência Brasil, Amnesty International, Grupo GENI/UFF, Instituto Sou da Paz.
BNC Polícia
