BRASÍLIA – O frustrado golpe do domingo último produziu importantes alterações na cena política, esboçando novo desenho da correlação de forças em presença.
Ainda que ao modo do movimento de placas tectônicas, por isso mesmo não de todo perceptíveis no noticiário vasto, porém superficial.
Nesse sentido, alguns dados — favoráveis e também ameaçadores — devem ser levados na devida conta:
1) O golpe foi abortado, mas outras tentativas virão. O movimento de extrema direita fascista, alimentado por quatro anos pelo próprio Bolsonaro, tem base de massas e se impulsiona por forças internas e externas que não abrem mão dos seus intentos.
2) Esse movimento se enfraquece parcialmente no contraponto do alargamento imediato da frente ampla democrática, tanto nos estratos institucionais e na grande mídia influente, como em extensos segmentos sociais.
3) O bolsonarismo, enlameado pelas imagens dos acontecimentos de domingo, perde com o fortalecimento político da vitória eleitoral de outubro e da figura do presidente Lula.
4) Entretanto, Lula e a frente ampla não contam com o apoio das Forças Armadas, que tendem a adotar uma postura de tutela do governo. Uma espécie de espada de Dâmocles destinada a inibir a reconstrução nacional.
5) Ao se instalar a próxima legislatura, o governo lidará com uma Câmara e um Senado de composição marcadamente conservadora, com forte presença bolsonarista. Um nó a ser desatado, inclusive pela pressão de massas.
6) O todo poderoso rentismo — de onde não se ouviu até agora sequer um resmungo de condenação dos atos terroristas — batalha diuturnamente (inclusive por dentro do governo) contra alterações substanciais na política econômica, que desejam essencialmente presa aos ditames ultraliberais. Inclusive com forte apoio midiático.
7) Problema relevante é a contaminação do Judiciário, do Ministério Público, das PMs e das polícias civis cooptados pelo bolsonarismo.
8) Nessas circunstâncias, a frente ampla democrática há que se expressar, tanto quanto nas instâncias institucionais, também através da ação crescente e decisiva no conjunto da sociedade. A bandeira da democracia precisa vencer no campo das ideias e através do gesto — e não há gesto mais ressonante do que a realização de grandes manifestações de rua representativas do mais largo leque de forças.