ESTADOS UNIDOS – Dyanna Volek nunca sonhou em ser mãe. Desde cedo, ela sabia que não queria filhos. Talvez por consequência de ver sua mãe sacrificar seu sonho de se tornar comissária de bordo e ter que trabalhar em três empregos para criar dois filhos sozinha. Ou talvez porque outras iniciativas a interessassem mais.
“Estou sempre ansiosa para o próximo passo”, disse Volek, que trabalha no governo local em San Francisco. “Ser mãe nunca foi um deles.”
Ainda assim, a ideia de não ter filhos parecia um tabu, então ela não insistiu muito nisso. Somente alguns anos atrás, quando começou um relacionamento sério, ela reconheceu, de fato, seus sentimentos. Quando ela e o marido se casaram em novembro, chegaram a uma conclusão: não queriam filhos.
Volek está agora com 37 anos e não se vê mudando de ideia. Não ter filhos dá a ela uma sensação de liberdade que seus amigos pais não têm. Agora que estão vacinados, ela e o marido podem comer em restaurantes, assistir a shows e viajar sem se preocupar em arriscar a segurança do filho.
Eles também podem trabalhar para se aposentar mais cedo, uma meta que de outra forma seria inatingível em uma cidade tão cara como a deles. E no dia a dia, eles têm muito tempo um para o outro.
Volek faz parte de um número crescente de mulheres nos Estados Unidos que está optando por não ter filhos – parte de uma tendência que está em crescimento há mais de uma década.
Desde 2007, a taxa de natalidade do país diminuiu cerca de 2% ao ano, em média. Apesar das primeiras especulações sobre um baby boom pandêmico, a crise do novo coronavírus acelerou o declínio ainda mais, com os nascimentos caindo 4% no ano passado.
Foi a maior queda anual no número de nascimentos desde 1973, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos EUA.
Os demógrafos apontam para uma série de fatores que impulsionam esse fenômeno: insegurança econômica, incerteza política, mudanças nas normas de gênero e uma diminuição do estigma em torno da escolha de permanecer sem crianças.
Embora a pandemia tenha revelado o quão pouco apoio as famílias nos Estados Unidos recebem do governo no que diz respeito a cuidados infantis e outras obrigações, algumas mulheres já haviam se decidido antes disso.
Entenda alguns motivos pelos quais algumas mulheres optam por não ter filhos:
Elas não querem essa responsabilidade
Cecilia Sanders, uma gerente de projetos de 32 anos em Chicago, tinha certeza desde cedo que não queria filhos. Parecia uma responsabilidade muito grande e a ideia de gravidez a assustava.
Ainda assim, ela diz que se sentiu pressionada a se sentir diferente, como se fosse decepcionar os outros por não ter filhos. Por cerca de um ano, ela tentou se forçar a mudar de ideia, conversando com amigos que eram pais sobre suas experiências e como arranjaram tempo para si próprios.
Acontece que seus amigos muitas vezes não tinham tempo para eles. Seus filhos, disseram, vinham em primeiro lugar.
Sanders percebeu que sacrificar suas próprias necessidades para cumprir o “dever de mãe” seria especialmente cansativo para ela. Ela luta contra a ansiedade e a depressão e, quando essas condições pioram, até cuidar de si mesma se torna um desafio.
A ideia de criar filhos preservando sua saúde mental parecia quase impossível. “Depois de um ano pensando realmente sobre isso, eu falei: ‘Não. Se eu fizer isso, estou mentindo para mim mesma’”, disse ela.
Elas temem a falta de apoio
Para algumas mulheres, a maneira como os EUA tratam as mães é razão suficiente para não ter filhos.
Amy Blackstone, socióloga da University of Maine e autora de “Childfree: O Movimento que redefine a família e cria uma nova era de independência” (sem edição no Brasil), diz que a falta de políticas favoráveis ??às famílias nos EUA é uma explicação para o declínio da taxa de natalidade nos últimos anos – algo que a pandemia deixou ainda mais claro.
No último ano, os pais tiveram que continuar trabalhando, muitas vezes sem cuidar dos filhos ou tendo que ajudar seus filhos a aprender remotamente. A situação deixou as pessoas estressadas e esgotadas, e talvez seja mais provável que elas adiem ou reconsiderem ter mais filhos.
“A pandemia realmente nos revelou como não apoiamos os pais nos Estados Unidos”, disse Blackstone. “Chegamos a ver a verdade que sempre soubemos, mas nunca falamos em voz alta, que é muito difícil criar filhos. E não apoiamos os pais nesse papel.”
Essa foi certamente uma consideração para Yana Grant, uma jovem de 24 anos de Tulsa, Oklahoma, que decidiu no ano passado não ter filhos. Os EUA não oferecem nenhum programa nacional de licença parental remunerada. As creches podem ser caras ou difíceis de encontrar. E as mulheres são ainda mais propensas a arcar com o peso das responsabilidades parentais e das tarefas domésticas.
“Assim que você descobrir que está grávida, primeiro terá que ser mãe e depois mulher”, disse Grant. “Os homens se tornam homens e depois pais.”
Como mulher negra, Grant também tem outras coisas com que se preocupar. Mulheres negras têm mais probabilidade do que mulheres de qualquer outra raça de morrer de problemas relacionados à gravidez. Também é mais provável que suas preocupações sejam descartadas, sua dor não tratada e suas experiências desacreditadas.
Para Grant, essas preocupações estão enraizadas na realidade. Há alguns anos, ela sentiu o coração batendo forte e a garganta inchando e foi consultar um médico. Ela diz que o médico disse para ela se manter hidratada e a mandou para casa sem checar a tireoide.
Quando consultou outro médico por causa dos mesmos sintomas, cerca de um ano depois, ela foi diagnosticada com Doença de Graves, uma doença auto-imune que causa hiperatividade da tireoide.
Se ela engravidar e algo der errado, Grant teme que seus sintomas e queixas possam ser ignorados da mesma forma.
“Eu sinto, como uma mulher negra, que você não tem muito opinião sobre seu corpo”, disse ela. “E, portanto, manter essa parte de mim é a única coisa que sei que tenho controle. Posso dizer que tomei essa decisão consciente de me salvar porque, muito provavelmente, ninguém mais vai fazer isso.”
Elas gostam de sua vida atual
Enquanto Jordan Levey se concentrava na faculdade de direito e na construção de sua carreira, ela presumia que um “instinto maternal” acabaria entrando em ação. Depois que ela encontrasse um parceiro, imaginou, eles se estabeleceriam e talvez decidissem ter filhos.
Agora que tem 35 anos e está casada há 4 anos, Levey diz que ela e o marido perceberam que preferem o estilo de vida atual. Eles possuem uma residência e são pais amorosos de seu cachorro. E embora ambos vivam uma vida confortável, preferem gastar seu dinheiro nas coisas que amam.
“Estamos muito felizes com nossas vidas. Amamos viajar, amamos cozinhar, nós dois realmente valorizamos nosso tempo a sós e esse autocuidado”, disse ela. “Acho que seríamos bons pais – só acho que não gostaríamos disso.”
Para Sanders, não ter filhos permite que ela tenha tempo para correr atrás de todos os seus interesses: escrever, tocar violão, fazer caminhadas, viajar e resgatar animais. Isso também significa que ela pode se concentrar mais em sua carreira, o que para ela é “a coisa mais importante”.
“Definitivamente, sinto que não estaria tão longe em minha carreira como estou agora e [eu não seria] capaz de apenas viver minha vida normal e seguir meus hobbies e paixões”, disse Sanders. “Eu não estaria vivendo minha vida plena.”
O fato de mulheres como Levey e Sanders se sentirem autorizadas a escolher um estilo de vida sem filhos é significativo, diz Blackstone.
No passado, as mulheres com tendência a não ter filhos muitas vezes davam à luz de porque isso é o que a sociedade esperava delas. Nas últimas décadas, porém, essas normas e atitudes mudaram.
“Estamos tendo mais conversas sobre a realidade de que a paternidade é uma opção, não algo que todos têm que fazer”, disse ela.
Mas elas ainda são julgadas por sua escolha
Talvez seja mais socialmente aceitável do que nunca que as mulheres não tenham filhos. Mesmo assim, as que optam por não ter filhos dizem que ainda sentem que precisam explicar constantemente suas escolhas aos outros.
Elas foram chamadas de egoístas, acusadas ??de odiar crianças e ouviram que se arrependerão de sua decisão mais tarde na vida, quando se encontrarem sozinhas.
Volek diz sentir que pessoas sem crianças, como ela, são julgadas como superficiais ou que não compreenderam a enormidade da decisão que estão tomando, quando isso não poderia estar mais longe da verdade.
“As pessoas que optam por não ter filhos pensam muito sobre isso – eu argumentaria ainda mais do que as pessoas que têm filhos”, acrescentou ela.
A suposição de que mulheres sem filhos não se importam com crianças simplesmente também não é verdade, dizem alguns. Volek adora brincar com os filhos de seus amigos. Levey gosta de passar o tempo com a sobrinha e o sobrinho.
Grant está namorando um homem que tem um filho e fica perfeitamente feliz em sair com o filho dele.
“Vou perguntar se ele quer ver ‘O Poderoso Chefinho 2: Negócios da Família’. Vou levá-lo a um museu”, disse Grant, moradora de Oklahoma, que planeja se mudar com seu parceiro para Washington, DC. “Mas isso é o mais longe que irei.”
Blackstone, que entrevistou inúmeras pessoas sobre sua decisão de não ter filhos, diz que as pessoas com quem ela falou reconhecem que é possível que um dia se arrependam de fazer a escolha que fizeram.
Mas ela disse que eles preferem não ter filhos e se arrepender disso mais tarde do que ter filhos e se arrependerem desse cenário.
(Texto traduzido; leia o original em inglês)
Com informações da CNN
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